NOTA: Este texto faz parte do conteúdo complementar deste livro. Devido ao formato compacto da coleção, algumas passagens da primeira versão do livro foram retiradas, mas estão disponíveis neste website (acessíveis através de códigos QR ao longo do livro) permitindo acesso digital ao conteúdo adicional.
Facilitação (“trip sitting”)
Três indicadores essenciais de boas práticas no uso intencional de psicadélicos são evitar viajar sozinho após a ingestão de uma dose elevada de um psicadélico; garantir condições físicas e sociais confortáveis e seguras durante a viagem; e garantir que existem um bom contexto e oportunidade, após a toma, para que a experiência seja processada, compreendida e integrada na vida da pessoa. Nomeadamente se se tratar de uma dose elevada e quando a intenção explícita é de autoexploração ou de melhoria de alguma faceta da vida (cura ou healing, em inglês).
No primeiro caso em cima, assume-se que alguém deve estar presente a acompanhar o/a “viajante” e que esse acompanhamento ajuda a garantir a segurança do processo e a potenciar os eventuais benefícios. Esta pessoa é vulgarmente designada de “guia”, “facilitador(a)”, ou “trip sitter” (literalmente quem se senta ao lado do utilizador durante a sua trip). Podem considerar-se diferentes tipos de facilitadores, dependendo do contexto. Na sua versão mais simples, esta pessoa tem (preferencialmente) alguma experiência pessoal com estados expandidos de consciência e possui um conhecimento básico do que fazer e não fazer durante as várias fases da experiência. Pode, por exemplo, ser um amigo ou familiar do viajante, em quem este confia. Do outro lado do espectro, o facilitador pode ser um profissional de saúde mental com formação específica sobre este trabalho, habituado a acompanhar pessoas nestes estados, e eventualmente até estar envolvido com o participante num processo terapêutico.
No processo de trip sitting ou facilitação, as recomendações seguintes são das mais consensuais, nomeadamente no caso de uma viagem psicadélica com a toma de uma dose média ou alta.
- Observar, ouvir e prestar atenção, com sensibilidade e de forma serena, ao estado físico e emocional do participante, mantendo-se por perto fisicamente, mas não de forma impositiva ou muito interveniente.
- Mostrar-se disponível e prestável relativamente a qualquer necessidade básica do viajante: alterar ou parar a música, ajudar a ir à casa de banho, trazer água, uma almofada, ou um cobertor, etc.
- Interferir ou comunicar com o viajante apenas na medida do mínimo essencial, procurando não influenciar a direção da viagem. No caso de ser necessário comunicar (e.g. se o participante colocar uma questão), manter a neutralidade e não introduzir ideias novas na conversa.
- Respeitar a autonomia, mostrar empatia e adotar uma atitude de não-julgamento face a qualquer estado ou manifestação do viajante, por muito estranha, inusitada ou provocadora que possa ser.
- Em geral, transmitir uma presença emocional tranquila, calorosa e incondicionalmente positiva, compatível com a extrema sensibilidade e vulnerabilidade que podem estar presentes no/a viajante.
- O toque pessoal – por exemplo, colocar a mão no braço do participante, ou segurar a sua mão – pode oferecer a segurança necessária para acalmar o/a viajante mas é importante discutir e acordar, antes da sessão, que tipo de toques podem ser oferecidos pelo guia.
- Se necessário, em função da agitação ou ansiedade revelada pelo viajante, assegurar verbalmente que está tudo bem, que a viagem está a correr normalmente e que não há nada a recear.
- Comunicar ao participante em caso de necessidade de se ausentar por alguns minutos.
- Depois da experiência, o guia deve estar disponível para responder a questões do/a participante e, se for convidado para tal, participar no processo de integração.
As indicações em cima são universais e aplicáveis a praticamente todos os contextos em que existe a toma de um psicadélico clássico com uma dose elevada, nomeadamente quando existe a intenção de ter uma experiência introspetiva. Contudo, existem contextos e qualificações que podem implicar diferentes considerações.
A mais importante é tratar-se de uma experiência realizada num contexto explicitamente terapêutico, onde é frequente que o guia ou facilitador esteja também presente no processo de preparação da experiência e nas sessões posteriores de integração. Nestes casos, o estabelecimento de uma relação terapêutica é um componente essencial para todo o processo, nomeadamente quando a experiência ocorre integrada numa psicoterapia. Outras exceções são: a toma de uma dose baixa ou média de um psicadélico, onde a alteração de consciência esperada não é muito elevada e a assistência externa não é essencial (sobretudo não se tratando de uma primeira experiência); tomas destas substâncias em contextos onde a intenção é explicitamente recreativa ou visando a interação social (e.g. reunião, festa ou festival)[1]; ou a toma de uma substância psicoativa com reduzidos efeitos psicadélicos (e.g. MDMA, 2C-B).
Para além destas indicações, é importante que o/a trip sitter conheça o essencial de primeiros socorros e esteja preparado/a para responder, ou saber a quem pedir ajuda, no caso de uma emergência médica ou psicológica. É também essencial que conheça a substância em causa, nomeadamente o tipo de efeitos que habitualmente induz (para a dose em causa) e a duração esperada da viagem. Por fim, é necessário que explicitamente assegure a confidencialidade do participante e da experiência.
[1] Nestes casos, é prática comum que, entre o grupo de amigos que partilham a experiência, exista o conhecimento do que cada membro do grupo consumiu e em que dose, para alguma eventualidade que possa implicar uma assistência informal.