Ketamina

A Ketamina está disponível para uso médico, como anestésico, desde os anos 70.

A Ketamina tem-se demonstrado eficaz na redução da dor, inflamação e sintomas depressivos. A Ketamina tem fortes efeitos psicoactivos e é frequentemente utilizada como droga recreativa, frequentemente referida como “special K”.

A ketamina (ou cetamina) é uma molécula que foi sintetizada pela primeira vez em 1962 por Calvin Stevens, um químico orgânico que trabalhava para o laboratório farmacêutico Parke Davis, que estava à procura de uma alternativa menos volátil à fenciclidina, mais conhecida como PCP. Dois anos depois, o médico Edward Domino conduziu os primeiros testes humanos de ketamina e descobriu que, em doses elevadas, a ketamina causava inconsciência, mas em doses mais baixas produzia estranhos efeitos psicoativos, com indivíduos descrevendo sentir-se “a flutuar” ou “a pairar sobre o seu corpo”.

Na década de 1960’s, nos Estados Unidos, os psicadélicos clássicos já tinham deixado de ser utilizados apenas em contextos clínicos mas eram também usados ​em ambientes pouco controlados pela população em geral. O laboratório Parke-Davis queria evitar caracterizar a droga como psicadélica, e a esposa de Domino sugeriu o termo “anestésico dissociativo” para descrever a maneira como parecia separar a mente do corpo, mesmo quando a mente mantinha algum grau de consciência.

A Food and Drug Administration (FDA) aprovou a ketamina como anestésico em 1970 e foi amplamente utilizada pelos militares dos EUA durante a Guerra do Vietnam, permanecendo posteriormente um anestésico padrão em salas de emergência em todo o mundo. É considerado um dos medicamentos mais seguros e importantes já desenvolvidos e é listado no conjunto dos “medicamentos essenciais” pela Organização Mundial da Saúde.

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Estudos com ketamina demonstraram o seu elevado perfil de segurança

Após os psicadélicos terem sido banidos em 1970, alguns psiquiatras como Salvador Roquet, no México, Khorramzadeh no Irão, Fontana na Argentina e Krupitsky na Rússia começaram a utilizar a ketamina em doses infra-anestésicas nos seus programas de psicoterapia assistida por psicadélicos. Na sua obra LSD Psychotherapy, Grof escreve que o efeito psicoactivo da ketamina é tão poderoso que pode catapultar o paciente para além de pontos de estagnação que podem ocorrer em sessões com LSD, fazendo possível atingir um melhor nível de integração.

Já no início do século XXI, após alguns estudos em modelos animais, foi demonstrado que infusões de ketamina em doses mínimas (0,5 mg/kg IV) têm elevada eficácia na redução de sintomas depressivos em indivíduos com Depressão Resistente (que não respondem a terapêutica com antidepressivos). Para além de eficácia, os efeitos surgem ao fim de 4 horas, ao contrário de semanas como acontece com os antidepressivos que necessitam de administração diária, fazendo da ketamina o tratamento mais rápido e mais eficaz para a Depressão Resistente. Estes estudos demonstraram ainda o seu muito elevado perfil de segurança – os efeitos secundários mais comuns são cefaleias, náuseas e elevações ligeiras de presão arterial.

Um novo derivado da ketamina – a esketamina – foi recentemente aprovado pela FDA e EMA, após vários ensaios patrocinados pela indústria farmacêutica com resultados favoráveis. Curiosamente, uma meta-análise recente mostrou que a ketamina é mais eficaz que a esketamina no tratamento da depressão. No entanto, estes efeitos são tipicamente transitórios e, se a infusão não for repetida, desaparecem ao fim de 10-14 dias. Várias clínicas de ketamina têm aberto nos Estados Unidos e na Europa, fornecendo esquemas de manutenção semanal a mensal para que os efeitos se mantenham, usando o modelo farmacológico/médico tradicional, no qual os efeitos dissociativos/psicadélicos são vistos como um efeito secundário.

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Sessão de psicoterapia assistida por ketamina

Relativamente aos mecanismos de acção, a ketamina é um antagonista dos receptores NMDA do glutamato e inicialmente pensava-se que o principal efeito da ketamina era uma estimulação rápida e duradoura da neuroplasticidade. No entanto, nos últimos anos, vários estudos têm demonstrado que a ketamina tem outros efeitos interessantes ao nível dos circuitos/redes cerebrais, para além dos efeitos celulares/moleculares acima referidos.

Especificamente, tem sido demonstrado que, tal como os psicadélicos clássicos (serotoninérgicos), a ketamina também reduz a actividade na default-mode network e na salience network em estudos de ressonância magnética funcional, também reduz as oscilações de baixa frequência em estudos com EEG, e causa também causa uma maior diversidade de sinal (que reflecte um estado cerebral de maior entropia) em estudos com MEG.

Para além disso, e também à semelhança dos psicadélicos clássicos, tem sido demonstrado que uma experiência subjectiva com dissolução do ego e características místicas está associada a uma maior redução de sintomas depressivos após administração de ketamina. Devido a estas descobertas, vários centros de investigação têm começado a utilizar ketamina como psicadélico, num modelo de tratamento promissor – e já disponível em Portugal – conhecido por ‘psicoterapia assistida por ketamina’.

Agradecemos o contributo da equipa do Centro de Retiros Tabula Rasa para a produção deste artigo.

Outras fontes de informação:

https://psychonautwiki.org/wiki/Ketamine

https://thethirdwave.co/psychedelics/ketamine/

https://www.erowid.org/chemicals/ketamine/ketamine.shtml