NOTA: Este texto faz parte do conteúdo complementar deste livro. Devido ao formato compacto da coleção, algumas passagens da primeira versão do livro foram retiradas, mas estão disponíveis neste website (acessíveis através de códigos QR ao longo do livro) permitindo acesso digital ao conteúdo adicional.
Mais sobre integração
Marc Aixalá, um psicólogo catalão associado à organização ICEERS, escreveu um livro exclusivamente sobre integração onde usa várias metáforas para tentar descrever o processo de integração. Estas são úteis para a pessoa comum compreender algo que pode ser complexo e delicado e que não tem sido investigado cientificamente. Algumas metáforas são: o encaixar uma peça (experiência) no puzzle que representa a vida como um todo; restabelecer ordem e significado onde antes havia caos (elementos soltos); plantar uma semente de mudança, que pode ou não materializar-se, em áreas importantes da vida; habitar temporariamente uma câmara de descompressão no regresso entre o fundo do mar (a viagem) e a superfície (a vida quotidiana); ou uma revelação fotográfica, onde a imagem vai progressivamente ficando mais evidente com o passar dos minutos. Este autor também distingue entre experiências (e processos de integração) que estão focados na “cura” ou melhoria de alguns aspetos da vida, de processos que acabam por levar a mudanças mais profundas, sobre a nossa mundivisão, crenças metafísicas ou outros aspetos de natureza espiritual ou transcendental.
No livro são descritas sete dimensões ou áreas que podem ser consideradas como fazendo parte de um processo de integração, embora a sua necessidade e importância varie de experiência para experiência. Estas áreas são: cognitiva, emocional, física, espiritual, comportamental, social e temporal. À exceção da última dimensão, todas são relativamente fáceis de intuir pelo seu nome, e em todas podem existir insights, revelações, aprendizagens, imagens ou demais processos que carecem de integração. A área temporal apenas salienta que o processo de integração é realmente um processo e não um estado, e que pode durar algum tempo até terminar. Aqui pode distinguir-se o período imediatamente após a experiência – onde deve predominar a atenção ao estado físico e emocional do/a participante – e um período mais longo (dias ou semanas) onde as restantes dimensões podem emergir como mais ou menos relevantes.
Embora não possa ser aprofundado aqui, é importante ter em conta que os fenómenos como o inflacionamento do ego ou ‘bypass espiritual’ podem ser exacerbados pela cultura atual, que valoriza o desenvolvimento e a “otimização” pessoal e enfatiza causas pessoais (individuais) para o sofrimento, para a doença e para outros problemas dos nossos tempos. As experiências psicadélicas podem, neste contexto, ser entendidas como apenas mais uma ferramenta de desenvolvimento pessoal, embora integradas num contexto sociocultural que não favorece o seu máximo aproveitamento.
Em contraponto, é cada vez mais consensual que um antídoto para o excessivo individualismo, e a melhor forma de integrar e enquadrar os psicadélicos na sociedade, é através de grupos e comunidades que valorizem e explorem precisamente a dimensão social e relacional que emerge com muita frequência nas experiências psicadélicas. Talvez o melhor exemplo disto seja a realização de experiências em grupo e (sobretudo) que a integração das experiências possa também beneficiar da intervenção e apoio de grupos reunidos para esse efeito, formal ou informalmente, preferencialmente conduzidas por pessoas ou profissionais com experiência e conhecimento sobre integração. São cada vez mais frequentes os denominados “grupos de integração”, em que pessoas que passaram por experiências se juntam para falar dos seus processos e para apoiar aqueles que precisam de ajuda após uma experiência psicadélica mais difícil.
Outra consequência negativa que pode também estar associada à incapacidade de integrar experiências psicadélicas complexas ou difíceis – e que representa uma outra forma de evasão (ou bypass) – é a procura pelo participante de grupos contraculturais, habitualmente com um contacto limitado com a sociedade em geral, e cujas crenças e atitudes críticas face a medicina, psicologia e ciência contemporâneas (e à cultura dominante em geral) predominam. Embora exista muita variedade nestas comunidades – desde seitas mais ou menos esotéricas até grupos bastante progressistas e bem informados – o foco de alguns destes grupos em explicações e soluções alternativas, a par da sua desconfiança face ao mainstream, podem acabar por limitar os recursos disponíveis e, em última análise, a capacidade da pessoa para gerir os períodos pós-experiência de maneira bem-informada e construtiva. Infelizmente, o facto de a maioria das experiências psicadélicas ocorrerem atualmente em contextos não regulados, com risco de perseguição legal e com algum secretismo associado, não facilita a procura de ajuda profissional por parte de pessoas a necessitar de apoio nesta fase. Nem a denúncia, ou a partilha para outros utilizadores, de más práticas.