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Marlene Dobkin de Rios

Marlene Dobkin de Rios (1939-2012) foi antropóloga, médica, e psicoterapeuta. Foi uma das primeiras antropólogas a publicar investigação sociológica e histórica sobre o uso da ayahuasca e do San Pedro na América do Sul. Realizou também investigação sociológica no Perú e no Brasil sobre os usos tradicionais da ayahuasca na sociedade mestiça (povo de cultura híbrida indígena e europeia). de Rios completou o seu doutoramento em antropologia médica em 1972 pela University of California Riverside. A sua tese foi baseada em investigação realizada em 1968 e 1969 em Belen, uma área economicamente carenciada em Iquitos, escrevendo depois um livro sobre esse trabalho, em 1972, chamado Visionary Vine: Hallucinogenic Healing in the Peruvian Amazon.

Marlene de Rios descobriu que com a ayahuasca as pessoas entram em estados de hiper sugestabilidade que tendem a moldar as suas visões e que podem ajudar a incutir valores da sociedade tradicional. A investigadora descobriu também que a ayahuasca usada num ambiente tradicional era eficaz para tratar doenças que os participantes pensavam ser de origem mágica. Trabalhou de perto com um curandeiro de ayahuasca em Pucallpa no Perú, Don Hilde, que era o pai do seu marido, Yando Rios. Marlene afirmou, sobre a sua própria cerimónia de cura com ayahuasca: “Senti que uma torneira se abriu em relação à minha escrita e tornei-me muito produtiva”. Esta experiência acendeu a sua paixão e curiosidade.

Marlene de Rios numa entrevista disponível no youtube

As cerimónias que observou em Iquitos e Pucallpa envolviam grupos de cinco ou mais pessoas reunidas numa clareira. Os curandeiros autodenominavam-se “vegetalistas”, ou seja, os seus poderes curativos vinham das plantas. Eles exigiam restrições alimentares, como evitar sal, banha, doces e, às vezes, também abstinência sexual nas 24 horas antes e depois da cerimónia para agradar o espírito guardião. Os participantes eram mestiços e indígenas que se deslocavam de áreas remotas e rurais à procura de trabalho. Estas pessoas enfrentavam a pobreza, rápidas mudanças sociais, perda da cultura familiar, e estavam sujeitos ao desemprego, aos longos períodos de inundações anuais, a doenças, à prostituição e ao vandalismo. Os “vegetalistas” ajudaram a curar as doenças relacionadas com o stress e com problemas psicológicos, usando técnicas específicas para a integração das experiências psicadélicas dos participantes. Marlene reconheceu que a tradição do ayahuasquero tinha um lado obscuro da bruxaria, ou feitiçaria, que teve origem na crença comum na Amazónia de que as doenças, os ferimentos e o azar são causados ​​por outras pessoas que fazem o mal por inveja, usando maldições, ou contratando bruxos para lançar feitiços. Os curandeiros interpretavam visões que eram assustadoras para os participantes, diagnosticavam os seus problemas e cantavam canções para fornecer tratamento e segurança, muitas vezes focando o processo de tratamento nas doenças relacionadas com a ansiedade, a dor ou a tristeza reprimida e alienação dos vizinhos.

Marlene de Rios era muito crítica do turismo ligado à ayahuasca que existia no Perú no início dos anos 2000 e do uso moderno menos deliberado de psicadélicos sem contextos socialmente construtivos para preparação e integração das experiências. Realizou trabalho de campo, de 1999 a 2005, estudando adolescentes que fizeram uso sacramental da ayahuasca, participando em cerimónias da Igreja União do Vegetal no Brasil (a igreja de ayahuasca fundada na década de 60 que promove uma doutrina de luz, paz e amor com influência combinada do animismo- a crença nos espíritos sem corpos – juntamente com práticas cristãs). Marlene descobriu que estes adolescentes tinham níveis mais baixos de ansiedade e de dismorfismo corporal, menos problemas de atenção e também que consumiam menos álcool do que os seus colegas que não eram membros da igreja.

Durante os seus anos como professora de antropologia na California State Fullerton, Marlene de Rios escreveu mais de quarenta artigos e oito livros, principalmente sobre psicadélicos e cultura. Publicou um artigo sobre o antigo uso maia de cogumelos com psilocibina e, em 2003, lançou um livro com o psiquiatra Oscar Janiger para descrever a sua investigação sobre como os artistas, e outras pessoas criativas, poderiam beneficiar de psicadélicos, chamado LSD, Spirituality, and the Creative Process. Escreveu também uma colaboração antropológica com Roger Rumrrill em 2008, A Hallucinogenic Tea, Laced with Controversy: Ayahuasca in the Amazon and the United States, e a sua autobiografia de 2009, The Hallucinogenic Journey of Dr. Marlene Dobkin de Rios. 45 Years with Shamans, Ayahuasqueros and Ethnobotanists.

Capa do livro que escreveu com o psiquiatra Oscar Janiger sobre o processo criativo

Marlene de Rios enfatizou o valor da experiência psicadélica para os indivíduos preparados, e tinha um grande respeito pelas propriedades reveladoras destes medicamentos, na forma como a União do Vegetal e os curandeiros respeitavam o espaço das pessoas, em contraste com a civilização ocidental, com o seu foco no individualismo, nos seus valores superficiais e erosão das instituições, e a sua instabilidade na estrutura familiar. Os curandeiros selecionavam cuidadosamente os pacientes excluindo aqueles com perturbações psicóticas graves. A partir das 10 horas, passavam uma taça com porções de 7mg, por quilograma de peso corporal, e davam doses maiores a pacientes com doenças psicossomáticas que eles suspeitavam ter origens mágicas. As palavras vinham da língua quecha em canções, com assobios, e o curandeiro fazia contato com os indivíduos. Sopravam fumo de tabaco e usavam um chocalho de schacapa de folhas secas para ajudar a proteger as pessoas do mal. A cerimónia era chamada de purgação e os curandeiros falavam dos seus benefícios, enquanto encorajavam as pessoas a mantê-la nos seus estômagos o maior tempo possível. Às vezes, o curandeiro extraía um dardo maligno sugando-o, para remover a sua influência maliciosa. A investigação de Marlene de Rios mostrou que os participantes que não tinham acesso à medicina ocidental aproximavam-se de curandeiros para tratarem as suas doenças. Estas pessoas podiam suspeitar que alguém lançou terra de um cemitério no patamar de alguém ou que alguém colocou excremento de abutre na sua porta. Se as pessoas pudessem suportar o medo, o Espírito Materno da videira ensinaria as suas canções, o que ajudaria estas pessoas a superarem as doenças relacionadas com o stress e também a construir coesão na comunidade.

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