As intervenções terapêuticas em Estados Ampliados de Consciência (EAC) não devem ser derivadas diretamente das técnicas utilizadas com pessoas sem alterações na consciência (situação normal). Isto é particularmente importante quando se trata do uso de toque, face às alterações somático-perceptivas típicas dos EAC que afetam a percepção subjetiva a estímulos exteriores e interiores e aumentam a vulnerabilidade e sugestionabilidade do participante. O uso de toque em terapia é um tema ainda polémico, sendo evitado em muitas escolas psicoterapêuticas, com exceção de abordagens assumidamente somáticas.
Historicamente, em abordagens terapêuticas que incluem EAC (como por exemplo a Respiração Holotrópica ou a Terapia Assistida por Psicadélicos), o toque tem sido incluído e visto como uma parte importante do processo, variando num espectro de intervenção e suporte mínimos (por exemplo para garantir a integridade e segurança física dos participantes durante o EAC), até ao uso do contato físico entre facilitador e participante como potencialmente útil para lidar com esquemas emocionais disruptivos ou em outros momentos particulares em que a sua utilidade é sentida pelo profissional. Contudo, relatos de abusos físicos e sexuais em EAC recordam a importância de definição de diretrizes para o uso de toque na Psicoterapia Assistida por Psicadélicos e com EAC.
Um grupo de clínicos envolvidos num ensaio clínico de terapia de grupo assistida por psilocibina para a ansiedade relacionada com doença oncológica, desenvolveu recentemente uma proposta de diretrizes para o uso de toque terapêutico, baseada nos resultados obtidos durante o seu trabalho. Partindo de um protocolo inicial de princípios básicos universalmente aceites para o uso de toque em terapia nas sessões de preparação, a saber, 1) consentimento inicial dos participantes para o uso de toque; 2) indicação de que tipo de toques poderão ser utilizados e ensaio prévio destes em estado ordinário de consciência; 3) em caso de contato físico este acontecer preferencialmente entre participante e facilitador do mesmo sexo; 4) anamnese cuidada relativamente a situações traumáticas associadas com toque físico; e 5) indicação explicita de como o paciente pode indicar que não deseja ser tocado, foi desenvolvido um protocolo avançado baseado na experiência dos pacientes durante as sessões de uso de substâncias, e posterior feedback durante as sessões de integração.
Este grupo confirmou o potencial terapêutico do toque durante a terapia com EAC, mas foram identificadas situações em que foram necessárias intervenções para lá das inicialmente protocoladas, levando à criação de duas categorias de intervenção: o uso “normal” de toque (usual touch) e toque “deliberado” (considered touch) quando a intervenção vai para além da proximidade física entre ciente e facilitador e intervenções mínimas (Ver Tabela 1). O toque “deliberado” implica formação específica em abordagens somáticas por parte dos facilitadores. Estas interações têm de ser cuidadosamente aplicadas pois existe o perigo de poderem direcionar ou condicionar a experiência do participante.
Tendo em conta a experiência recolhida neste ensaio clínico, foram desenvolvidas diretrizes para o uso de toque em Terapia Assistida por Psicadélicos (Tabela 2).
Estes diretrizes são uma proposta de trabalho que deverá ser desenvolvida nos próximos ensaios clínicos. Os autores referem a necessidade de incluir aspetos específicos ao toque nos protocolos dos ensaios clínicos: que tipo de toque foi utilizado, como foi recebido pelo paciente e como contribuiu para o resultado terapêutico. Apesar do caráter exploratório destas diretrizes, é uma importante contribuição para a discussão de uso de toque em EEC.
