Testemunhos
#LSD#MDMA#psilocibina

Miguel

37 anos – Psicólogo clínico

Quando experimentei, pela primeira vez, LSD, senti uma diferença no meu interface com a realidade, parece que se tem um contacto com algo menos denso na realidade. Lembro-me de uma sensação de bem-estar e empatia incríveis, pautados pela ausência de julgamento e crítica.

A criatividade aumentou bastante, como se se tratasse de uma torneira enferrujada da qual de repente saía muita água. Não havia palavras para tantos pensamentos, foi muito desbloqueador. O voltar à realidade foi desconfortável, queria viver nesse mundo onde tinha estado.

Nas experiências com os cogumelos senti mais ou menos o mesmo, mas depende sempre muito da dosagem. Há um sentimento indescritível de ligação e pertença à Natureza, senti que fazemos parte de algo maior. Mexeu com coisas muito íntimas, pois levou-me a níveis de subtileza muito delicados e houve um contacto com a verdade da vida, aceitando-a plenamente. Vi e senti, de forma muito evidente, o meu lugar no mundo. Ao saber que faço parte da rede da Natureza entendi que recebo informação e energia dessa rede, e assumi uma responsabilidade maior, porque sei que para além de receber também estou a dar ao próximo e esse circuito tem de ser cuidado.

Percebi também porque é que a psilocibina tem o potencial terapêutico com a depressão e senti bastante isso numa das sessões, no meio da natureza. A vida adulta traz-nos o sentimento de “isto não me fascina, já vivi isso, não há surpresas” e, durante essa sessão, senti os cogumelos a desconstruir essa sensação, abrindo novamente essa porta de ver o mundo como uma criança.  

A ayahuasca foi muito mais marcante, foi destabilizadora e disruptiva. Pôs-me em contacto com o medo mais primordial e genuíno que tenho, enquanto me deu o maior amparo e amor que alguma vez tive. Entra-se noutro mundo, permitiu-me espreitar outra dimensão, com tudo o que isso acarreta (a surpresa e o susto). Sabia que não era a dimensão do pensamento, do sonho. Senti que nem a morte me ia safar dessa dimensão, pois era difícil de lidar com todo o contacto da dor mais antiga, perfurou-me as barreiras todas e tive de deixar-me ir, sem defesas. Há uma certa relação com a terapia psicossomática e a forma como ela encara o corpo, a nível da libertação dos traumas através do físico, por exemplo pelas purgas que ocorrem nas sessões.

Há uma dissolução das defesas psíquicas criadas pelo ego, para a nossa sobrevivência, e ficamos a nu com o que realmente somos. De certa forma é o que se faz em psicoterapia, mas de forma mais delicada, a ayahuasca deita tudo abaixo. Outra das grandes diferenças é que na psicoterapia desenvolve-se entre o terapeuta e o paciente uma relação que sustenta este processo, ao passo que isso é mais complicado na ayahuasca. Pode existir esse amparo, mas é uma sustentação quase microscópica e vinda a Natureza, não de outra pessoa.

A ayahuasca providencia conteúdos que, geralmente, se propagam durante as semanas e meses seguintes, dando assim mais importância à integração e acompanhamento.

O contacto com estes psicadélicos ajudou-me bastante na minha prática enquanto psicólogo, pois percebi os vários níveis de consciência. As viagens são muito psicanalíticas, é uma entrada no inconsciente, com muita procura do simbólico. Os psicadélicos são uma possível história da psicanálise. Ajudou-me a escavar, melhor dizendo a ir descobrindo com um pincel aos poucos, a verdade profunda das pessoas, tal como na arqueologia. Como terapeuta permitiu-me ter uma melhor relação com o medo, a dor e o desamparo, o que me permitiu lidar melhor com o meu lado sombra, vendo-a e aceitando-a melhor, em mim e nas pessoas que acompanho no meu percurso enquanto psicólogo. É neste desamparo e no medo que as defesas se erguem para nos protegermos, portanto a partir do momento em que se lida melhor com isso, não é preciso erguê-las tão altas e o ego fica mais flexível. No mundo dos psicadélicos fala-se muito em matar o ego, mas o ideal é simplesmente gerir esse ego, não o ter rígido, mas não acabar com ele, pois ele é necessário para levar com os golpes do mundo.

O que não processamos bem internamente vai para a ação e comportamento ou para o corpo (por exemplo doenças), portanto quanto melhor processarmos tudo, menos vai para esses lados.

Creio que os psicadélicos oferecem um amparo ainda pré maternal, que ajudam a que não seja preciso erguer estas defesas.

A preparação para as sessões de psicadélicos é essencial, porque representa a nossa intencionalidade para com a experiência que vamos ter. A dieta, por exemplo, é muito importante para desintoxicar o corpo previamente, para que isso não aconteça durante a sessão.

Saímos das sessões sem lixo, como se tivéssemos desfragmentado o disco, e estamos mais vulneráveis, como esponjas, prontos a absorver as experiências e a realidade, por isso a integração tem de ser feita de forma muito delicada. Há aprendizagens que só aparecem meses depois, portanto o acompanhamento assume essa importância.

Parece-me que o essencial da integração é proporcionar um ambiente seguro onde seja possível a partilha e a criação através de várias formas expressivas, como a escrita. Este acompanhamento contínuo é importante depois da sessão, ao longo do tempo, para que as pessoas não tomem também decisões demasiado precipitadas logo depois da experiência, que é geralmente bastante forte e que muda a nossa perspetiva sobre o mundo. 

Nota: Alguns nomes nos testemunhos foram alterados para assegurar o anonimato.