Testemunhos
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Rui

44 anos, Psicólogo, facilitador

Sou um psiconauta por natureza, que é literalmente um navegador da mente, aquele que usa os Estados Não-Ordinários de Consciência (ENOC) de forma intencional para investigar a psique e a sua consciência. Dou o meu testemunho para partilhar o quanto as substâncias psicotrópicas e os ENOC tem contribuído positivamente para o meu crescimento pessoal. Este testemunho tem também como objetivo poder chegar a uma parte da população da nossa sociedade que possa ter interesse sobre o tema dos ENOC e poder desmistificar desta forma alguns dos preconceitos que ainda permanecem enraizados em muitas mentes, sobretudo portuguesas. E poder também demonstrar a importância que estes estados de consciência têm para o ser humano, para o seu desenvolvimento pessoal, espiritual e para a sua saúde. 

A minha exploração dos ENOC está associada a muitas mudanças positivas na minha vida. Sinto, hoje, que sou uma pessoa mais aberta, mais flexível, com um maior entendimento sobre a vida por essa razão. Sinto que estes estados aceleraram o meu crescimento interior e permitiram-me chegar onde estou atualmente. Abriram-me as “portas da perceção”, ou as portas da minha consciência, de forma a poder viajar no desconhecido, e demonstraram-me que o mundo está muito para além dos cinco sentidos (a que os mais materialistas se resumem) e que o mistério da vida se revela cada vez que acedo a estes ENOC.

Sinto que com esta autoexploração tem sido possível remover de mim as várias “camadas de cascas sobrepostas de cebola” e que isso me tem permitido ir ao encontro de mim mesmo, ao encontro do meu Ser. Não acredito em soluções milagrosas com estes estados de consciência, mas acredito que estes são uma ferramenta fundamental e que nos podem ajudar muito no nosso crescimento interior. Também não acredito que este seja um caminho para todos. O que descrevo aqui tem sido o meu caminho e tem realmente funcionado de forma valiosa e positiva para mim próprio.

Desde adolescente que me sinto atraído por estes estados profundos da psique, talvez pelas minhas características pessoais de introspeção, reflexão, timidez, ensimesmado, foco, etc. Talvez por estas mesmas características de personalidade, como o autocontrole, o sentir-me internamente organizado, enraizado, etc., nunca tive qualquer problema com estes estados ou substâncias, com uma exceção (cânhamo) à qual voltarei. Sinto que todas as outras substâncias me têm beneficiado e me têm aberto cada vez mais aos outros, ao desconhecido e ao mistério da vida. Têm-me oferecido a possibilidade de trabalhar em mim próprio, aumentado a minha confiança e ajudado a não ter que controlar tudo obsessivamente, como tantas vezes acontece. Através destes estados, tenho acedido à capacidade e à sabedoria que me permite não estar em controlo constantemente.

Passo agora a descrever a minha experiência com substâncias psicotrópicas que podem ser consideradas dentro da categoria dos psicadélicos, entendido de forma geral. São apresentadas de forma cronológica, não distinguindo entre substâncias naturais ou sintéticas. É justo dizer que alguns dos estados de consciência aqui descritos foram também vivenciados por mim com o uso de outras ferramentas como a respiração (por exemplo, Respiração Holotrópica), a meditação, a dança, o som, a privação de sono e o jejum, entre outras. 

Canábis

Aos dezasseis anos iniciei-me com alguns amigos a fumar haxixe. As primeiras vezes que o fiz não parava de rir, desinibia-se em mim algo muito do meu foro interno que apenas me fazia rir. Ao mesmo tempo parecia que a minha concentração aumentava, por isso, mais tarde, aos 18 anos, quando comecei a meditar utilizava haxixe por vezes para a meditação. Parecia que conseguia explorar profundamente a minha psique, sentindo-me inteiramente relaxado. 

Utilizei canábis durante 25 anos e experimentei vários tipos de haxixe: Marrocos, Índia, Paquistão, Afeganistão, etc. e vários tipos de erva. Normalmente consumia de forma fumada, mas também consumi os chamados space cakes (bolos feitos de THC). Também consumi várias vezes THC através de vaporizadores e, na Índia, utilizei diversas vezes o bhang lassi, que é a bebida tradicional lassi, à base de iogurte, onde é misturada a pasta de marijuana indiana com outras especiarias, produzindo efeitos muito agradáveis e igualmente profundos. 

Nos primeiros anos esta planta ajudou-me na redução da hiperatividade e ansiedade, mas desde que comecei a consumir THC passei a fazê-lo diariamente. Devo dizer que talvez os primeiros 10-15 anos de consumo fui tirando partido dos benefícios desta planta, mas nos últimos 10 anos, o consumo tornou-se excessivo e sentia-me inteiramente dependente desta. Em todas a viagens que fazia para fora de Portugal a primeira preocupação era tentar encontrar THC para me sentir bem. Durante muito tempo queria deixar de fumar e não conseguia. Em vez de relaxar ao fumar, comecei a sentir-me cada vez mais ansioso, inclusivamente cheguei a estar perto de ataques de pânico, o que foi o ponto crucial par deixar esta planta.

Até que, repentinamente, simplesmente disse “não quero fumar mais – chega!” A partir daí nunca mais toquei em THC e sinto que não o vou fazer mais. E foi bem mais simples do que imaginava. Explorei o suficiente e sinto não necessitar mais deste consumo na minha vida. Na noite de Natal de 2017, em Goa na Índia, deixei de fumar e até hoje nunca mais consumi. Efetivamente sinto-me significativamente melhor por não consumir esta planta que me estava a prejudicar. 

Psilocibina (cogumelos ou trufas “mágicas”)

Aos vinte e cinco anos iniciei-me nos psicadélicos com o consumo de psilocibina, sob a forma de cogumelos mágicos. Começa nesta altura a sentir uma apetência crescente para explorar de forma profunda estas substâncias, mas também sentia que consumir estas medicinas e estar entre amigos a conversar tirava-me do meu centro. Assim as primeiras vezes que consumi cogumelos mágicos fi-lo sozinho, com algum amigo de pré-aviso, para qualquer situação que ocorresse e pudesse ligar-lhe.

O consumo de cogumelos mágicos proporcionou-me algumas das viagens mais importantes que tive na minha vida. Mostrou-me que a vida está para além dos cinco sentidos. Foi como que se um véu que se abrisse e me permitisse ver para além dele. Como uma nuvem da consciência que se abriu para permitir entrar mais Sol na minha consciência. Experimentei cogumelos secos, triturados em pó e bebidos em chá, e experimentei também trufas mágicas (que também contém psilocibina). Fi-lo de inúmeras formas e é sempre uma viagem ao interior de mim mesmo.

MDMA e 2C-B

Aos vinte e seis anos experimentei pela primeira vez MDMA, em Ibiza. Foi também uma enorme descoberta, e trouxe-me muita coisa positiva para a minha vida. Lembro-me a primeira vez que comecei a sentir os seus efeitos, numa discoteca, e a um dado momento parecia sentir-me verdadeiramente parte do todo. Sentia-me conectado com todas as pessoas à minha volta, mesmo sem as conhecer. Uma enorme desinibição começou a acontecer dentro de mim. Foi o MDMA (ou Ecstasy) que me permitiu descobrir o gosto pela dança, perceber o quanto gosto de movimentar o meu corpo livremente, e o quanto me reprimi até esse momento. Foi também das descobertas mais importantes que fiz e tem estado presente desde essa altura na minha vida.

Explorei este empatógeno em pastilhas (Ecstasy) e mais tarde em cristal triturado em pó. Utilizei algumas vezes 2C-B, que para mim produziu efeitos bem semelhantes ao MDMA, mas também com alguns efeitos psicadélicos. Senti que era como uma mistura dos efeitos de MDMA com os da mescalina. 

LSD

Ingeri LSD-25 em selo, em líquido e também nos chamados micropontos e esta substância tem-me acompanhado desde os trinta anos, até aos dias de hoje. Foi um dos psicadélicos que mais explorei e com quem mantive uma melhor relação. Ao fim de quase 500 experiências, posso dizer que me sinto familiarizado com o LSD. Ingeri algumas vezes 400-500 microgramas, o que permite conhecer razoavelmente bem esta substância. Saliento que me tem ajudado sobretudo no meu processo de autoconhecimento, de me fazer conectar com as minhas questões internas emocionais e psicológicas, e de me abrir as portas da perceção e da consciência.

Ketamina

A primeira vez que experimentei Ketamina foi com trinta e um anos e foi como se saísse do meu próprio corpo. Passado sensivelmente uma hora deixei de conseguir estar em pé, tive que me deitar e assim estive cerca de duas horas cheio de imagens caleidoscópicas, sem sentir o meu corpo, com efeitos claramente anestesiantes. 

Outras experiências que tive com esta substância senti-a uma vontade enorme de praticar yoga, fazendo asanas, posições que normalmente não consigo fazer no meu quotidiano.

Ayahuasca

A ayahuasca é uma bebida enteogénica (ou psicadélica) que me tem acompanhado desde há muitos anos. A primeira vez que tomei foi com trinta e dois anos na primeira dieta que fiz na selva amazónica do Peru, que foi profundamente marcante para mim. Representou uma grande abertura para a minha consciência e foi sem dúvida a substância que mais me aproximou da Natureza. Lembro-me de, pela primeira vez na vida, sentir compaixão por insetos, moscas, formigas, etc. pela beleza que emanam. Costumo dizer que foi a ayahuasca que me trouxe para a Quinta onde estou a viver há 10 anos. Tive inúmeras experiências de epifanias que me trouxeram muitos esclarecimentos na vida, resoluções de aspetos antigos da minha vida, premonições, contactos profundos e inteiramente vívidos, por exemplo através dos chamados “animais de poder” usados em várias tradições xamânicas. 

Tive contacto com diversos curandeiros de origem peruana da tradição Quechua e Shipibo. Tive também contacto e oportunidade de tomar esta medicina com o povo brasileiro Huni Kuin, e nas igrejas/comunidades como o Santo Daime, União do Vegetal e Comunindios Bandeira Branca, bem como com vários facilitadores não indígenas em várias partes do mundo.

DMT 

Experimentei também Changa e DMT, os quais tomei inúmeras vezes. Sou sempre levado para um vórtice de imagens e de portais misteriosos, mas concluo sempre que talvez seja apenas uma espécie de “fogo de artificio”, que o ser humano tanto gosta mas, que não leva a nenhuma parte significativa. Nem sequer sou artista para poder absorver estas imagens e depois representá-las através da minha arte. Sem querer ser preconceituoso, ao fim de umas dezenas de vezes de tomar DMT puro não consigo percecionar qualquer utilidade nesta substância fumada, que apenas se retém na minha consciência por dez a quinze minutos. 

Peiote (mescalina) 

No meu caso, produziu efeitos visuais e auditivos e ativou uma força interna que lembra o MDMA. Faz-me sentir mais ativo e sinto esta medicina como mais masculina, enquanto a ayahuasca ou a psilocibina são por mim sentidas como mais femininas pela maior introspeção que criam. É uma espécie em vias de extinção pela quantidade de ocidentais que tomam esta substância e que demora muito tempo a crescer.

Tive a oportunidade de tomar diversas vezes esta medicina com os tradicionais mexicanos Huicholes. 

Huachuma ou São Pedro (mescalina)

Sinto os seus efeitos como muito semelhantes aos do Peiote.

Salvia Divinorum

Experimentei de forma recreativa e talvez por isso não tenha retirado o maior proveito da experiência, que nunca me trouxe algo de significativo.

MICRODOSAGEM

Ayahuasca

As experiências com microdosing são recentes na minha vida. Comecei por fazê-lo com ayahuasca, diariamente. Inicialmente comecei com uma colher de sopa o que considerei demasiado pois sentia um mal-estar no estômago. Também estava a fazer de noite e isso afetou o meu sono. Depois reduzi para uma colher de sobremesa cheia e passei a tomar de manhã, o que ultrapassou o problema do sono, mas sentia igualmente um peso no estômago, até que reduzi para meia colher de sobremesa e deixei de sentir o peso no estômago. Durante os primeiros 10 dias sentia-me um pouco instável tanto física como emocionalmente, mas ao fim destes dias comecei a sentir-me fisicamente estável, talvez por estar a fazer a microdosagem correta, mas também emocionalmente senti-me mais estável, com uma sensação de vivacidade maior na minha vida. Sentia-me mais centrado e mais motivado. Tomei durante um mês e depois parei o regime de microdosagem com ayahuasca. A sensação positiva permaneceu até ao fim da utilização e perdurou pelo menos uma semana depois de ter terminado a toma.

Psilocibina / LSD / 1p-LSD

Considero estas substâncias muito semelhantes em termos de efeitos por isso não faço separação entre elas. Na minha experiência, a única diferença que senti é que os efeitos da microdosagem com psilocibina começam ao fim de uns 15-20 minutos e terminam mais rapidamente enquanto os do LSD ou 1p-LSD demoram cerca de uma hora e perduram pelo menos durante umas 8 a 10 horas. Gosto particularmente da microdosagem com psicadélicos, mais do que com ayahuasca. O que senti foi que se a dosagem for um pouco maior, com a ayahuasca não me sentia muito confortável fisicamente. Já com os outros psicadélicos, ao ajustar a dosagem, a única situação que pode acontecer é ficarmos mais abertos internamente, mais conectados. No entanto, pela minha experiência, são perfeitamente compatíveis as tarefas do dia a dia.

Sinto que a microdosagem com os psicadélicos traz-me um melhor sentido de humor, um humor mais estável, uma sensação prazerosa que se mantém no dia a dia, e um pouco mais aberto ao exterior e aos outros – por norma, sou mais introspetivo por natureza. É uma sensação muito agradável. O incrível é que a microdosagem é apenas um décimo de uma dose normal e ainda assim os efeitos foram claríssimos na minha consciência. Sigo o protocolo de James Fadiman, ou seja, neste caso não tomo diariamente pela tolerância que podemos ter com os psicadélicos, mas em cada três dias.

Em resumo, das experiências mais transformadoras que tive com psicadélicos, destaco primeiro a Psilocibina, pela forma como me tem ajudado como pessoa e como profissional, e também pela sua atuação perspicaz na psique do ser humano. Menciono o LSD como a substância que mais me acompanhou e ajudou no meu percurso como psiconauta ao longo de muitos anos. Por outro lado, saliento o MDMA pela forma como me auxiliou a lidar na interação com o outro, pela abertura que me criou com o ser humano e pela possibilidade de me ter feito descobrir a dança. Por fim, a Ayahuasca, esta triptamina incrível, que tanto me aproximou da natureza e me fez conhecer a fundo o meu “animal de poder” e me colocou em contacto com outras realidades arquetípicas e xamânicas.Todas estas experiências têm-me ajudado na abertura da minha consciência, na minha busca espiritual, em ir de encontro ao meu Ser e para compreender verdadeiramente o meu caminho neste planeta. Através do acesso a ENOC, todas estas substâncias psicotrópicas, quer as plantas medicinais quer os químicos sintetizados, têm contribuído para me conhecer mais profundamente e sobretudo em me tornar um melhor ser humano.