Testemunhos
#ayahuasca#MDMA#psilocibina

Sara

33 anos – Bailarina

Nunca me vou esquecer da primeira vez que tomei ayahuasca. Foi numa altura de grande convulsão da minha vida, sentia-me completamente sozinha e num sofrimento atroz, não sabia quem era nem qual seria o meu futuro. Sabia sim, qual era o meu passado e sabia que o teria de enfrentar naquela sessão: os olhos da pessoa que me tinha violado várias vezes quando era apenas uma criança e voltar a sofrer a dor das feridas que me auto infligi durante tantos anos. Durante vários anos de terapia nunca tinha conseguido dizer a nenhuma das pessoas que me tinha tratado sobre o que me tinha acontecido quando ainda era uma criança. Mas sabia que, com a ayahuasca, não tinha mais como me esconder.

Talvez por o trauma ser tão profundo e por ter pedido para não sofrer durante a sessão, a verdade é que a ayahuasca levou-me, entre outras coisas, a experienciar um amor incondicional e absoluto por mim, o amor que me tinha negado durante tanto tempo porque o meu coração tinha ficado anestesiado, endurecido. A certa altura, quando estava no chão da casa de banho, ouvi uma voz que me perguntou “Queres que te leve? Queres morrer?” e disse que sim, não tinha nada a perder. O meu processo de morte foi lento, suave, vi o meu coração a parar, os pulmões a ficarem sem ar e o corpo inerte. Não tive medo, apenas um alívio imenso. Mas vi também o que estaria a perder caso morresse (como era tantas vezes o meu desejo). Vi uma família, um companheiro, dois filhos, ouvi risos e conversas, vi-me rodeada de pessoas que me queriam bem. E foi essa visão que me trouxe de volta à vida. Acho que foi por todos eles, alguns que já conheci e outros que ainda vou conhecer, que nasci outra vez. É indescritível o sentimento de voltar a nascer e de ser, eu própria, responsável por tudo. Deixei de lado as culpas que atribuía a quem não tinha sabido cuidar de mim e, daí em diante, passei a ser a minha mãe e o meu pai.

Vi, também, coisas menos agradáveis durante a cerimónia e não tive o acompanhamento que precisava após a sessão, talvez daí hoje saber que a integração é tão importante e é um fator crucial neste tipo de experiências.

Foi apenas na minha primeira sessão com psilocibina, acompanhada por um psicólogo amigo, que consegui voltar a encarar o meu passado. A dose que tomei foi alta o suficiente para ficar em processo durante mais de 10 horas. Foi o dia mais excruciante e, ao mesmo tempo, mais libertador da minha vida. Vi o meu violador e consegui perdoá-lo pelo que me tinha feito, pois percebi que lhe tinham feito o mesmo. Senti de uma só vez a dor dos cortes e das queimaduras que me autoinfligi durante anos e lembro-me de chorar e gritar e de achar que ia explodir de tanto sofrimento que estava a sair do meu corpo de uma só vez. Nunca teria conseguido aguentar tanto sozinha, o meu amigo foi a minha âncora. A experiência dele enquanto psicólogo e a amizade que nutrimos foi essencial para conseguir reviver todos os traumas em segurança e navegar pela experiência de forma consistente, sem escapes. Sem ele não sei se teria conseguido voltar, provavelmente teria enlouquecido e, por isso, estou-lhe eternamente grata. Daí querer também deixar a seguinte mensagem: os psicadélicos abrem portas que a nossa mente encerrou para nossa própria proteção. Há traumas tão profundos, com a capacidade de nos dissociar de nós mesmos, que devem ser abordados com o apoio de um profissional. Qualquer pessoa que tenha este tipo de traumas deverá, se quiser fazer psicadélicos, procurar sessões que tenham na sua equipa pessoas com experiência em gestão de trauma e continuar esse acompanhamento depois da sessão.

Felizmente depois desta sessão, tive experiências bonitas com a ayahuasca e com os cogumelos. Consumi também MDMA com um parceiro que me ajudou a abordar o sexo de outra maneira, mais livre e profunda. Acho que, até hoje, ele não imagina a forma como me ajudou no processo de cura e de maior libertação sexual. O MDMA tem um grande potencial de abertura de coração e de inscrição de novas memórias no corpo e, por essa razão, já está a ser usado em experiências clínicas para lidar com traumas profundos.

Ultimamente tenho consumido plantas medicinais em contexto mais experiencial e sempre terapêutico para me compreender melhor e continuar o processo de libertação e de maior amor próprio. É difícil arranjar palavras para descrever a forma como me sinto una com a vida quando me permito abrir as portas da perceção (roubando o termo de Aldous Huxley).

Mas sinto que é importante falar também sobre o amor que sinto quando atinjo estes estados de consciência. É o tipo de amor que só pode ser descrito como se fosse uma esfera onde estão guardados todos os olhares de amor: o de dois amantes que fazem amor pela primeira vez, o da mãe que olha para o seu bebé e que vê toda a sua vida nele, o de um irmão pela sua irmã que admira, o de um pai que olha para o filho a graduar-se e sabe que ele está destinado a grandes feitos, até o de um cão a olhar para quem lhe dá de comer e carinho. É uma sensação que extravasa, que preenche todo o nosso ser e faz valer a pena todo e qualquer momento triste ou de dor. Claro que isto não significa que todas as experiências sejam assim e que sejam fáceis. Pelo contrário, há muita verdade e vemos características nossas das quais não gostamos, mas com as quais temos de lidar e as plantas medicinais ajudam nesse processo.

As plantas medicinais são professores que nos mostram a realidade, mas são os psicoterapeutas que nos ajudam depois a enquadrar o que se passou e a integrar tudo isso no nosso quotidiano. Consumir plantas medicinais com um propósito terapêutico e não ter, depois esse apoio no quotidiano, é como lançar-se ao mar com um navio pesado que sabemos que ultrapassa qualquer tempestade, mas ao qual falta uma bússola e um capitão experienciado.

Uma vez abertas as portas da perceção, não há como voltar atrás. Aconselho a que trilhem o caminho se se sentirem preparados para ver toda a verdade sobre vocês. E, uma vez que a vejam, aceitem-se e amem-se tal como são, não há escolha melhor que essa. 

Nota: Alguns nomes nos testemunhos foram alterados para assegurar o anonimato.