Uma pesquisa rápida pela imprensa e redes sociais ligadas aos psicadélicos nos últimos dias resulta em inúmeros artigos e comentários sobre a publicação do mais recente artigo de Robin Carhart-Harris e colegas – um estudo comparando psilocibina vs. um antidepressivo popular (Escitalopram, vendido em Portugal como Cipralex e também como genérico) para doentes com depressão média a severa. O estudo foi publicado numa das mais importantes revistas médicas norte-americanas – o The New England Journal of Medicine – e teve também direito a um editorial dedicado ao mesmo artigo.
Atualização (20 abril): o autor do estudo publicou um artigo de opinião no jornal The Guardian, descrevendo o estudo, o contexto social da sua elaboração, e discutindo as suas implicações para o futuro. O artigo tem como título ‘Psychedelics are transforming the way we understand depression and its treatment‘. Mais tarde, Carhart-Harris publicou esta reflexão pessoal sobre os resultados do estudo.
O SafeJourney decidiu dar a palavra ao primeiro e último (sénior) autores para descreverem os resultados e a sua importância (a partir do minuto 38:20), no podcast Drug Science, que o eminente especialista em drogas David Nutt protagoniza há vários anos.
Neste episódio do podcast, a ouvinte irá, também, ser presenteada com uma detalhada e excepcionalmente informativa descrição da história recente do trabalho de ambos – sobretudo o contributo de Carhart-Harris desde o seu doutoramento em Bristol, até ao estudo presente. Nota: o cientista irá mudar-se do Imperial College para a UCSF na Califórnia este verão. Pode mesmo dizer-se que os marcos científicos mais significativos deste percurso, nomeadamente em estudos com MDMA, LSD, psilocibina e agora DMT, mudaram a história da ciência com psicadélicos; e os dois intervenientes nesta conversa estiveram na linha da frente desse processo.
Relativamente ao estudo agora publicado, contou com 59 participantes, tendo metade do grupo tomado comprimidos de 25mg de psilocibina, em duas doses com 3 semanas de intervalo (mais placebo durante 6 semanas); o restante grupo recebeu a dose habitual do antidepressivo da classe dos “SSRI“s, tendo também recebido a toma de 1 mg de psilocibina em duas sessões (como placebo). Todos foram acompanhados durante 6 semanas e ambos os grupos recebam 35-40h de psicoterapia no total, contabilizando sessões antes, durante e depois da toma da psilocibina / antidepressivo.
Os investigadores analisaram várias medidas para aferir os resultados comparativos, incluindo sete medidas de depressão e nove outras medidas para avaliar a ansiedade, bem-estar psicológico, função sexual, e intensidade emocional, entre outras (todas por auto-relato). Das 16 medidas, apenas uma não demonstrou diferenças significativas entre os dois grupos após as seis semanas, favorecendo sempre o grupo com psilocibina (ver gráfico). Na variável que foi a exceção a esta tendência – variável que havia sido eleita a priori para determinar a eficácia de estudo (score de QIDS-SR16 no final das 6 semanas – houve ainda assim uma diferença de 25% a favor do grupo que tomou psilocibina.
Porquanto a comunicação dos resultados deste estudo na imprensa, mas também refletida no próprio título do artigo, salientem que o efeito dos dois tratamentos foi semelhante ou “igualmente eficaz” (face à variável que havia sido eleita para aferir “eficácia”), uma análise mais detalhada clarifica os benefícios seletivos, e bastante abrangentes, do grupo que tomou psilocibina: maiores taxas de remissão de depressão (que também atuou mais rapidamente), menor ansiedade, maior bem-estar psicológico, maior ajustamento social, nenhum efeito na função sexual, etc. Também se deve considerar como importante o facto de ambos os grupos terem recebido um extenso programa psicoterapêutico, conduzido pelos mesmos profissionais, que não sabiam a que grupo cada pessoa pertencia. Por si só, isto pode ter reduzido as diferenças entre os dois grupos, que seriam possivelmente ainda maiores sem este programa.
O estudo tem várias limitações, incluindo a dificuldade em “esconder” apropriadamente o placebo, o facto dos participantes se terem voluntariado para o mesmo de mote próprio e terem relevado uma preferência pela psilocibina, a amostra ser relativamente pequena e pouco diversa (nota: as comparações poderiam atingir maior significado estatístico com um número ligeiramente maior de participantes), e também a duração do antidepressivo, que poderia precisar mais do que 6 semanas para atuar na plenitude. Ainda assim, é notável a resposta genericamente mais favorável, em termos comparativos, à toma da psilocibina, nomeadamente considerando todos os “efeitos secundários” positivos que causou. E também considerando que se trata de um modelo terapêutico com apenas 2 sessões de toma, por comparação a meses ou anos que habitualmente estão associados à toma de um antidepressivo e respetivos efeitos indesejáveis.
Como com qualquer estudo, é apenas mais um estudo, e necessitará de se juntar a outros estudos comparáveis, para se produzir conhecimento consensual. Ainda assim, trata-se de um contributo da mais alta qualidade científica e que ajudará certamente a rever as posições mais tradicionais e conservadoras acerca do papel dos psicadélicos, especificamente para auxiliar no tratamento da depressão. A leitura integral do estudo está disponível aqui, bem como o editorial que o acampanada, pelo médico Jeffrey Liberman.
O estudo e os seus resultados têm também originado uma fértil discussão e reflexão acerca do papel importante que o contexto terapêutico – psicoterapia entes e depois da sessão, aliança terapêutica, qualidade humana e treino de facilitadores, etc. – tem neste processo. A coordenadora da intervenção deste estudo, a psicóloga Rosalind Watts, comentou sobre este assunto no Facebook (em baixo), e a adesão considerável à sua posição verificada nos comentários, sugere que esta reflexão continuará, para bem de todos os futuros beneficiários desta terapia – qualquer que seja o contexto.
O combate psicadélicos vs. terapia segue dentro de momentos!
Trial of Psilocybin versus Escitalopram for…
Posted by Rosalind Watts on Thursday, April 15, 2021