Num artigo de opinião recentemente publicado, os investigadores Katherine Cheung, David Yaden e Brian Earp questionam o valor da experiência psicadélica subjetiva, refletindo se estas podem ter efeitos positivos para além dos seus reconhecidos benefícios terapêuticos. Os autores exploram a possibilidade de estas experiências gerarem um aumento duradouro de bem-estar e sentido de propósito, mesmo em indivíduos sem diagnósticos psiquiátricos. Além disso, ponderam se, independentemente de qualquer efeito prolongado, as experiências psicadélicas podem ter valor intrínseco, simplesmente por serem vividas.
Esta questão é particularmente relevante à luz dos esforços atuais para desenvolver psicadélicos “não-subjetivos” – compostos que aumentam a neuroplasticidade sem alterar a consciência e sem provocar a tradicional “trip”. A pergunta que se coloca é: se os psicadélicos sem a experiência subjetiva oferecerem os mesmos benefícios terapêuticos, continuará a haver valor na experiência subjetiva proporcionada pelos psicadélicos tradicionais? Vale a pena destacar que, segundo investigações sobre os motivos de uso de substâncias psicadélicas, o efeito terapêutico não se afigura como um dos mais mencionados pelos uilizadores. Outros motivos relacionados com a exploração da consciência e com o desenvolvimento pessoal são indentificados com mais frequência.
O primeiro argumento a favor dos efeitos subjetivos dos psicadélicos é o prazer estético experimentado durante estados alterados. Aldous Huxley, no seu livro The Doors of Perception, descreve a beleza intensa que observava numa rosa e as cores vívidas à sua volta, sublinhando a dimensão estética da experiência. De forma semelhante, participantes em ensaios clínicos relataram “cores cintilantes como diamantes” durante o uso de psicadélicos. Os autores argumentam que, durante uma viagem psicadélica, as perceções de objetos ou paisagens são intensificadas, proporcionando experiências estéticas profundas e movendo-nos pela beleza e novidade do que percebemos – uma vivência que pode ter valor em si mesma, independentemente de quaisquer efeitos posteriores, terapêuticos, de insight, ou outros.
Outro argumento baseia-se precisamente na distinção entre valor do processo e valor do resultado. Qualquer atividade pode ter valor tanto pelos seus resultados finais – como a melhoria do bem-estar – quanto pelo processo em si. A analogia feita pelos autores é a da subida ao Monte Evereste: quem escala a montanha a pé poderá atribuir mais valor ao processo da subida do que quem simplesmente chega de helicóptero, mesmo que ambos usufruam da mesma vista no topo. Assim, os autores sugerem que a experiência subjetiva proporcionada pelos psicadélicos pode ter valor próprio (intrínseco), independentemente dos benefícios terapêuticos.
Por fim, os autores também exploram o conceito de uma “vida psicologicamente rica”, desenvolvido pela filósofa Lorraine Besser e o psicólogo Shigehiro Oishi. Esta ideia sugere que uma vida repleta de experiências emocionais e cognitivas diversificadas – como as proporcionadas pelos psicadélicos – faz parte do que se considera uma vida bem vivida. Assim, os autores argumentam que mesmo que os psicadélicos não gerem benefícios a longo prazo, as experiências intensas e únicas que proporcionam podem contribuir para uma vida mais plena e significativa.
Embora ainda seja incerto se os psicadélicos “não-subjetivos” terão o mesmo impacto terapêutico que os subjetivos, este artigo convida à reflexão sobre o valor intrínseco da experiência psicadélica. A profundidade estética, a reflexão pessoal e a riqueza emocional resultantes dessas experiências podem enriquecer a vida de quem as vivencia, independentemente dos seus efeitos posteriores. O livro Psicadélicos: Em Português reflete igualmente sobre o vasto espectro de motivações e contextos de uso de psicadélicos (ver figura abaixo), argumentando que em todas as utilizações existe potencial para alguma transformação (re-criação) (…) os psicadélicos poderão ajudar que os usa a viver de forma mais plena, sentindo-a e saboreando-a por inteiro.