Cultura

Podem os Psicadélicos Mudar a Vida de Quem Sabe que a Morte Está Próxima?

Um diagnóstico de cancro no cólon, estadio IV, aos 75 anos, levou-o a uma experiência com psicadélicos, com o propósito de explorar a sua vivência. Decidiu tomar LSD e abordou a viagem como um repórter. Perguntou ao cancro: “Porque estás aqui? Vais matar-me?” E a resposta foi:  “‘Sim, vais morrer, mas tudo está absolutamente perfeito: há um significado e um propósito nisto que ultrapassa a tua compreensão – mas estás a lidar com tudo exatamente como deves lidar.”

É um relato marcante, não porque a experiência seja invulgar, mas porque quem a narra é Roland R. Griffiths, investigador com mais de 50 anos de investigação em psicofarmacologia e diretor do Centro Johns Hopkins para a Investigação sobre os Psicadélicos e a Consciência, um dos pioneiros no renascimento da investigação com psicadélicos – sendo que um dos primeiros estudos do seu laboratório foi, precisamente, com pacientes com cancro.

Depois do diagnóstico, em 2021, persuadiu a Johns Hopkins a criar uma cátedra com o seu nome para investigar os efeitos dos psicadélicos na espiritualidade e no bem-estar e, meses depois, partilhou esta experiência com psicadélicos, em que fala com o seu cancro, numa entrevista à The New York Times Magazine, poucos meses antes de morrer, em Outubro deste ano. Tanto na teoria, como investigador, como na prática, como paciente oncológico terminal, a conclusão a que chegou foi a mesma: estas substâncias podem, de facto, mudar a relação de abertura e aceitação para com a doença incurável e o fim de vida.

Olhar a morte de frente é talvez uma das coisas mais difíceis que quase todos teremos de fazer. O impacto que as doenças crónicas graves e ameaçadoras da vida têm é conhecido como «dor total»: uma dor que não se resume só à biologia e aos sintomas físicos, vem também do sofrimento espiritual, psicológico, existencial e social de quem está muito doente.

Os Cuidados Paliativos, prestados por equipas com médico, enfermeiro, psicólogo e assistente social, que tentam tratar as várias dimensões do sofrimento vivido pelas pessoas com doenças incuráveis, são hoje a melhor resposta para estes pacientes. Mas, mesmo entre aqueles que têm acesso a estes cuidados – e, em Portugal, estima-se que só 30% das 100 mil pessoas com necessidades paliativas lhes tenham acesso – os sintomas como a depressão, a desesperança, a falta de sentido, de propósito e ansiedade existencial são muito difíceis de paliar, mesmo com intervenções farmacológicas, psicoterapêuticas e psico-sociais robustas.

Algumas meta-análises referem que entre 30 a 40% dos pacientes nesta situação sofrem com depressão e ansiedade. Em Portugal, um trabalho que avalia os níveis de depressão e ansiedade entre os doentes seguidos por uma Equipa Intra-Hospitalar de Suporte em Cuidados Paliativos mostra que perto de 60% sofrem de sintomas de ansiedade e mais de 55% de sintomas depressivos, apesar do apoio multidisciplinar de uma equipa especializada que estão a ter.

Também nesta área os psicadélicos surgem como uma nova esperança: nos últimos anos foram publicados vários estudos que mostram que a psicoterapia assistida por psicadélicos – individual ou de grupo – pode produzir resultados rápidos, robustos e mantidos nos tempo para pacientes com ansiedade, depressão e ideação suicida relacionada com o cancro, mas também noutras condições médicas como o HIV/SIDA e a doença de Parkinson, como mencionam uma revisão sistemática da literatura e uma revisão narrativa recentes.

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