Medicina

Dor Crónica e Psicadélicos

Uma área emergente na investigação sobre substâncias psicadélicas é o seu potencial para o tratamento da doença física, nomeadamente no contexto da dor crónica. O renascimento psicadélico teve, de certa forma, origem também nesta área, com a publicação, em 2006, de um artigo sobre os efeitos do LSD e da psilocibina na cefaleia em salvas (em inglês cluster headaches). A dor crónica pode ser uma condição em si, como na cefaleia em salvas, ou um sintoma de outra patologia, como em situações de lesões. Além disso, pode persistir mesmo na ausência de uma lesão ou doença identificável, como acontece na fibromialgia. Independentemente da sua causa, a dor crónica provoca sofrimento prolongado continua a ser de difícil tratamento.

Segundo a Psychedelics and Pain Association, as substâncias psicadélicas têm o potencial de ampliar as opções de tratamento para a dor complexa e crónica, atuando nos fatores neurológicos, psicológicos e sociais que contribuem para o surgimento da dor e influenciam a perceção da sua intensidade. Esta associação, que visa promover o conhecimento, a investigação e o acesso a psicadélicos como medicinas para o tratamento da dor crónica, disponibiliza uma base de dados no seu site com a investigação científica realizada até aos dias de hoje.

Bob Wold, um dos cofundadores da Psychedelics and Pain Association, é também o fundador da organização sem fins lucrativos Cluster Busters, dedicada à investigação e educação sobre o tema. Esta organização tem como objetivo promover avanços na investigação de tratamentos eficazes para a cefaleia em salvas, com especial foco no potencial da terapia assistida por psicadélicos. Em 2020, a organização lançou um curto documentário (ver abaixo) que apresenta testemunhos de pessoas diagnosticadas com cefaleia em salvas e narra a história de Bob Wold, incluindo a sua primeira experiência com cogumelos e o impacto positivo que essa experiência teve na gestão da sua condição.

Embora os mecanismos subjacentes ainda não sejam completamente compreendidos, a evidência aponta para uma combinação de fatores biológicos, sociais e psicológicos, incluindo a ação anti-inflamatória dos psicadélicos e a possível modificação no processamento da dor pelo cérebro. Atualmente, já são vários os ensaios clínicos desenhados para investigar a terapia assistida por psicadélicos no tratamento da dor crónica, o que poderá não só comprovar a eficácia deste tratamento, como também esclarecer os mecanismos envolvidos. Além disso, já foram publicados diversos estudos (como “Potential analgesic effects of psychedelics on select chronic pain conditions: A survey study“) e revisões (por exemplo, “Are psychedelics the answer to chronic pain: A review of current literature“) que analisam dados recolhidos junto de pessoas que utilizam psicadélicos para tratar a dor crónica.

Esta tema foi abordado numa entrevista recente da newsletter Tricycle Day com o terapeuta postural e autor Jon Clark. Após quase 20 anos de dor crónica e vários tratamentos convencionais sem sucesso, Clark encontrou alívio através dos psicadélicos, especificamente cogumelos mágicos. Estes ajudaram-no a reduzir os espasmos musculares e a dor neuropática, permitindo-lhe recuperar mobilidade e melhorar significativamente a sua qualidade de vida. No seu livro Psychedelics, Chronic Pain & Posturedelic Hypothesis apresenta uma abordagem ao tratamento da dor crónica a que chamou de “Terapia Posturedélica”. Esta terapia envolve movimentos dinâmicos e poses estáticas que, com a ajuda dos psicadélicos, permitem reconfigurar os modelos de esquema corporal do cérebro, facilitando a cura. Para além do livro, o autor também oferece recursos gratuitos, como vídeos no YouTube e uma comunidade de integração online, para ajudar aqueles que sofrem de dor crónica a explorar estas terapias de forma segura.

Outros testemunhos sobre o uso de psicadélicos para o tratar a cefaleia em salvas podem ser encontrados no livro Psychedelics Outlaws, da investigadora Joanna Kempner, e num recente episódio do podcast Psychedelics Today.

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