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Richard Evans Schultes

Richard Evans Schultes (1915-2001) foi um botânico aventureiro que dedicou a sua vida ao estudo das plantas e ao seu uso pela humanidade. Schultes é considerado o fundador do campo da etnobotânica e contribuiu muito para a biologia e química das plantas alucinogénicas. Antes de se tornar professor no departamento de botânica da Universidade de Harvard em 1970 e diretor do Harvard Botanical Museum, Schultes fez sua tese de graduação muitos anos antes, em 1936 sobre o uso ritual do peiote entre a tribo Kiowa em Oklahoma, colaborando com um estudante da pós-graduação em antropologia de Yale, Weston La Barre. Os dois iam a várias aldeias e participavam em cerca de três cerimónias de peiote por semana. Estas cerimónias duravam toda a noite e eram lideradas por um homem com um tambor, e os participantes sentados revezavam-se nos cantos. Richard Schultes desenvolveu uma profunda afeição por estas experiências indescritíveis e também pelo seu colega e pelos anciãos daquela tradição. 

A investigação de Richard Schultes sobre o peiote em Harvard também ajudou a descobrir o alucinogénico teonanacatl dos astecas. O investigador encontrou uma carta de um austríaco no México, Blas Pablo Reko, sobre o uso de cogumelos divinos, e viajou para Oaxaca em 1936 para encontrá-lo. Na aldeia de Huatla de Jimines, adquiriu uma dúzia de cogumelos frescos que mais tarde seriam identificados como Psilocybe cubensis e Panaeolus campanulatus. Em 1939, Schultes voltou e explorou com um guia e localizaram outra planta mestre asteca, a ololiuqui, na casa de um curandeiro em San Juan Lalana. Mais tarde, em 1941, defendeu o seu doutoramento em botânica descrevendo estes enteógenos e sua história de uso sacramental.  

Richard Evans Schultes a realizar investigação de campo na Amazónia Colombiana. Foto de R.E. Schultes.

Enquanto jovem, Schultes inspirou-se no relato de Richard Spruce, um botânico inglês que colecionava ayahuasca e observou uma cerimónia entre os Tukano em 1852, no rio Vaupes, no noroeste do Brasil. Schultes explorou a floresta amazónica no vale de Sibundoy, no noroeste da Colômbia em 1941, iniciando uma bolsa para estudar os ingredientes do curare, um relaxante muscular e uma substância paralisante útil para procedimentos cirúrgicos. Aprendeu com os xamãs da tribo Kofan, que consumiam yage (ayahuasca) semanalmente, e que usavam mais de 70 plantas para o curare, cuidadosamente supervisionadas e preparadas por xamãs para ser usado em flechas de caça. 

O investigador catalogou mais de 24.000 espécies de plantas, cerca de 300 das quais nunca tinham sido nomeadas pela ciência ocidental.  O investigador fez amizade com xamãs e anciãos dos Witotos, o que levou à descoberta da árvore yoco, usada como estimulante. Schultes tomou a ayahuasca pela primeira vez sob a orientação de um taita (ou xamã) da tribo Kamentsa, chamado Salvador Chindoy, que partilhou o seu vasto conhecimento sobre as plantas que aprendeu com a yage e a barrachero, um alucinogénico raro agora identificado como Brugmansia aurea culebra. O seu aluno Pedro Juajiboy relembrou anos depois que naquela primeira experiência com a yage, Schultes cantava e contava histórias a noite inteira em inglês, que nenhum deles conseguia entender. 

Richard Schultes foi também recrutado para uma expedição de doze anos financiada pela Rubber Reserve Company para localizar plantas da borracha para ajudar o esforço dos aliados na Segunda Guerra Mundial, colhendo sementes, ajudando a estabelecer estações de extração de borracha, tendo mesmo encontrado árvores da borracha selvagens enquanto viajava pelo traiçoeiro Rio Apaporis com mais de 2 mil quilómetros. Nesta expedição o botânico fez amizade com as tribos da língua Tucano, como os Makuna e os Kananari, e respeitou profundamente a sua capacidade de reconhecer e combinar plantas para “efeitos novos e poderosos”. Em 1952, foi recebido pelos seus amigos da tribo Yucuna para o festival da Dança das Bonecas, celebrando a colheita da pupunheira (banin muxa) com dançarinos vestidos com adereços feitos de plantas imitando animais como o macaco, o jaguar, o veado, o morcego ou a vespa. Em 1953, o projeto terminou e ele assumiu uma posição no Harvard Orchid Herbarium.

Richard Evans Schultes com indígenas das tribus Yukuna e Tanimuka, no Ríi Guacayá, Colômbia, 1952. Foto de R.E. Schultes.

Com Albert Hofmann, Schultes ajudou a descobrir como é que a ayahuasca cria um efeito potente ao combinar dimetiltriptamina com um inibidor de monoaminoxidase. Eles tornaram-se amigos e colaboraram em livros, incluindo Plants of the Gods (1979), e afirmaram: “Algumas plantas tiveram efeitos inexplicáveis ​​que transportaram a mente humana para reinos de maravilhas etéreas – em comunicação com o mundo espiritual. Não é de admirar que elas tenham desempenhado um papel importante nos rituais religiosos das primeiras civilizações e ainda sejam veneradas por pessoas que mantêm as tradições antigas”. Publicou também os livros The Golden Guide to Hallucinogenic Plants (1976) e Vine of the Soul: Medicine Men, their Plants and Rituals in the Colombian Amazonia (1992).  

O etnobotânico percebeu que a diversidade biológica e cultural estão intimamente conectadas. Schultes ajudou a preservar grandes partes da região amazónica colombiana para os povos indígenas, e inspirou outros a fazê-lo, como a Equipa de Conservação da Amazónia e a Fundação Gaia Amazonas.  O antropólogo que fez o discurso principal da Conferência Mundial de Ayahuasca de 2019, Wade Davis, foi inspirado por Schultes a visitar a Amazónia colombiana enquanto aluno. Mark Plotkin, Brian Hettler e Wade Davis prepararam também a discussão principal sobre o Richard Schultes no simpósio sobre a Investigação Etnofarmacológica de Drogas Psicoativas, que Dennis McKenna ajudou a produzir.

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