Opinião

Em Que Consiste a Terapia Assistida Por Psicadélicos?

A possibilidade de substâncias psicoativas como o LSD, a psilocibina (nos “cogumelos mágicos”), o MDMA (no Ecstasy), ou o DMT (na ayahuasca) virem a ser usadas para o tratamento de doenças como a depressão, a ansiedade crónica ou a perturbação de stress pós-traumático, caminha para a sua regulamentação nesta próxima década. 

Os casos do MDMA e da psilocibina estão mais avançados e há atualmente ensaios clínicos em vários países – incluindo em Portugal, na Fundação Champalimaud – a testar a eficácia dos “psicadélicos” em diversos problemas de saúde mental. A ketamina e a ibogaína, compostos com propriedades e efeitos similares, encontram-se já a ser utilizados experimentalmente em alguns países.

As substâncias psicadélicas também poderão vir a ser usadas para tratar a dependência do tabaco, do álcool e de várias outras drogas (estudos já realizados e em curso); para auxiliar pessoas com perturbações alimentares ou com risco de Alzheimer (estudos em preparação); e até, no futuro, em programas de tratamento da obesidade e diabetes e outras condições onde o comportamento é um coadjuvante terapêutico importante. 

Em termos operacionais, o uso dos psicadélicos nestes ensaios estrutura-se em torno de três fases terapêuticas fundamentais: a preparação, a sessão experiencial e a integração. Transversalmente, o processo é sempre mediado pelo tipo e dose da substância psicadélica (Substance); pelo estado, conteúdo e intenção psicológica que a pessoa traz para a sessão (Set); e pelo contexto terapêutico, que inclui a relação com os terapeutas bem como com o espaço e condições onde a sessão ocorre, onde se destaca a presença da música (Setting). Dado existirem contraindicações para as terapias assistidas por psicadélicos (p.ex. doença bipolar, certos medicamentos), é essencial a realização de uma triagem, para assegurar a segurança dos participantes. 

Na fase da preparação, o voluntário conhece a equipa de terapeutas e o espaço onde a sessão decorrerá, estabelecendo laços de confiança e aliança terapêutica. É importante conhecer a história e perspetivas de vida da pessoa, os seus recursos, esclarecer questões e preocupações sobre o processo, discutir possíveis cenários e, por fim, demonstrar e praticar um conjunto de “instruções de voo” que permitirão preparar a pessoa para navegar e explorar, em segurança, o “oceano experiencial” da sua viagem psicadélica.

A sessão com a toma da substância psicadélica é a segunda fase do processo, considerada o momento-pico. Ocorre num espaço terapêutico com elementos que procuram conter, facilitar e potenciar a experiência interna. A pessoa deita-se e é proposto o uso de uma venda para evitar distrações. Todo o processo é acompanhado por música escolhida e sequenciada para criar ressonância emocional e sensorial. A sessão dura entre cinco a oito horas e conta com a presença e apoio constantes dos terapeutas.

A terceira e última fase é a da integração, ocorrendo não só no dia seguinte à experiência como, preferivelmente, a longo prazo. A pessoa é convidada a partilhar os momentos mais relevantes da sua experiência, sendo facilitado o acesso ao processamento experiencial das mesmas, muitas delas estranhas, insólitas e novas. É aqui que a vivência vai ser articulada, elaborada e reorganizada, de forma a se encontrar um significado sobre o vivido, mas também uma implementação desses ganhos e insights na vida da pessoa.

Tudo indica que as terapias assistidas por psicadélicos passarão por um processo de reintegração nos vários tecidos da sociedade moderna. Na área da saúde mental terá de haver um alargamento na forma habitual de se aplicarem fármacos, já que haverá agora à disposição uma substância onde o contexto psicoterapêutico e a aparente capacidade heurística da consciência humana adquirem um papel determinante. Para além disso, terá de se aceitar a hipótese de se usar uma metodologia com o potencial de alcançar, em poucas horas, mudanças terapêuticas que poderiam demorar anos. 

Para além do modelo terapêutico individual, os modelos conduzidos em grupo – antes, durante e após a ingestão de psicadélicos – ganham também destaque e são já utilizados, por exemplo para a cessação tabágica com o uso de psilocibina (Universidade Johns Hopkins nos EUA). O custo-efetividade e outras vantagens das terapias em grupo poderão vir a tornar esta opção como prioritária, no momento em que os psicadélicos forem usados em maior escala. É interessante também notar que vários protocolos com psicadélicos utilizam modalidades de mudança comportamental reconhecidas, tais como a Entrevista Motivacional ou a Terapia da Aceitação e Compromisso.

As terapias assistidas por psicadélicos não serão, no futuro, apenas acessíveis a pessoas com problemas específicos de saúde mental. Dado que os psicadélicos se têm revelado como facilitadores e amplificadores (não-específicos) de processos de mudança, com evidência de modificações comportamentais espontâneas após o seu uso (por exemplo, na dieta, no exercício físico, adoção de práticas contemplativas ou de gestão de stress, novas práticas na natureza, etc.), é muito provável que eles possam vir a ser utilizados em alguns destes contextos de forma mais intencional e estruturada.

Será legítimo um dia procurar estas terapias para se alcançar um maior autoconhecimento, equilíbrio ou ultrapassar limitações sentidas na esferas afetiva, relacional, conjugal ou espiritual; na procura de mais sentido ou de uma nova direção de vida; ultrapassar bloqueios criativos ou vocacionais; ou para lidar com sofrimento associado a processos como o luto, a separação e isolamento, doença prolongada, variações de humor ou ansiedade debilitantes, envelhecimento ou mesmo a iminência da morte (por exemplo, após um diagnóstico de doença potencialmente terminal).

As terapias com psicadélicos situam-se numa fronteira sensível e vão exigir diálogo entre vários agentes da sociedade, nomeadamente sobre a regulamentação que procura garantir a segurança do coletivo, e a liberdade individual de cada pessoa para escolher o que quer fazer com a sua vida, incluindo a exploração da sua própria consciência. Contudo, acreditamos que, num futuro próximo, várias terapias e respetivas equipas (psicólogos, médicos, terapeutas certificados) irão emergir, em modelos holísticos e recuperando ou construindo centros e comunidades terapêuticas – de preferência junto à natureza – onde a ciência, as tecnologias (antigas e modernas) e a arte da terapia psicadélica estarão acessíveis a todos aqueles que a procurem.

Fonte: Revista Visão Saúde (nota: o título e texto do artigo foram adaptados do original pelos autores)
Autor: Pedro Teixeira e João da Fonseca
Data: Junho de 2020
Ligação: Artigo integral

Deixe um comentário