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Humphry Osmond

Humphry Osmond (1917-2004) foi psiquiatra pioneiro no campo da psicoterapia assistida por psicadélicos. Imortalizou-se por ter sido quem inventou a palavra “Psychedelics” aquando troca de correspondência com Aldous Huxley em 1956, numa tentativa de se chegar a um termo mais adequado para estas substância que na época eram denominados de psicotomiméticos – termo muito redutor dadas as experiências relatadas tanto por pacientes como por intelectuais que na época experimentavam sobretudo LSD e psilocibina. O termo surge assim da junção das palavras gregas “psyche” (i.e., mente, alma) e “delos/deloun” (i.e., revelar, manifestar).

Osmond trabalhou com o psiquiatra inglês John Smythies, em Londres, e ficou fascinado com as semelhanças entre a mescalina e a adrenalina. O seu artigo de 1952, “On Being Mad”, descreveu a sua própria experiência com 400 miligramas de mescalina, supervisionada pelo seu colega. Os dois tinham um interesse mútuo em parapsicologia e mescalina, e estavam também interessados em estudar a esquizofrenia e a psicose, tendo sido levantada a hipótese de que haver um processo mental que relacionava a experiência psicadélica à esquizofrenia.

Resposta de Humphry Osmond à carta de Aldous Huxley, em abril de 1956.

Em meados de 1952, Humphry Osmond tornou-se o diretor clínico do Hospital Saskatchewan, uma unidade hospitalar dedicada à saúde mental, no Canadá. Logo em 1953 o psiquiatra avançou com investigação bem-sucedida com psicadélicos, primeiro com mescalina e depois com LSD. Osmond continuou a desenvolver terapias assistidas por psicadélicos nas décadas de 50 e 60. A sua abordagem terapêutica foi já na altura inovadora, induzindo uma experiência muito intensa com doses elevadas de LSD numa ou duas sessões de dosagem, supervisionadas e com recurso a música e sons, com intuito de proporcionar assim uma experiência transcendental ou de dissolução do ego. Esta abordagem teve influências de Al Hubbard mas foi Humphrey Osmond que a popularizou popularizou, no entanto ainda sem mobilizar psicoterapia associada a estas sessões psicadélicas. Mesmo assim, a investigação que desenvolveu evidenciou os benefícios das substâncias psicadélicas nas condições de ansiedade em pacientes com doença oncológica com baixa sobrevida, e para perturbação do uso de álcool. O médico investigador incentivou os profissionais de saúde mental a tomar psicadélicos, escrevendo que era “uma fonte prolífica de material” para desenvolver sensibilidade, empatia e compreensão das pessoas com doenças mentais. Osmond também administrou mescalina a um membro do Parlamento britânico, Christopher Mahew, em 1955, tendo sido a sessão gravada e transmitida no canal de televisão britânico BCC. Mahew referiu-se à experiência como a experiência mais interessante e intrigante da sua vida.

Humphrey Osmond co-editou o manual entitulado “Psychedelics”, publicado em 1970, que incluía artigos da sua autoria mas também de outros investigadores e profissionais pioneiros nas terapias psicadélicas. Osmond inclui neste livro o seu relato da vigília em que participou em outubro de 1956 com a Igreja Nativa Americana, tendo sido uma cerimónia com o cacto peyote e que foi coberta pela imprensa em North Battleford, Saskatchewan. O psiquiatra estudou também a experiência regeneradora proporcionada pelos psicadélicos e a história do uso destas plantas medicinais que dão às pessoas uma perspectiva de que morrer é/pode ser uma questão espiritual, e assim perceber que nossa essência persiste além da morte física. Osmond não viu nestas medicinas psicadélicas apenas uma forma de ajudar a gerir a ansiedade relacionada com a morte, mas também um antídoto para o capitalismo desenfreado que a sociedade já na altura usava como substituto para a perda do instinto de ligação à natureza e à nossa essência de humanidade. O psiquiatra considerou que as posições extremadas da primeira era psicadélica levaram a excessos que levaram ao abondono prematuro da investigação nesta área, ao se menosprezar riscos reais que têm de ser tidos em consideração mas também, por outro lado, por se exagerar na diabolização dos potenciais perigos. Argumentava assim na defesa de um renascimento da investigação psicadélica cuidadoso e cauteloso, enquanto que advertia que a repressão de tais experiências traria um crescente desrespeito à autoridade.

Humphrey Osmond (à esquerda) era amigo íntimo do escritor Aldous Huxley (à direita), cuja obra celebrava os benefícios da mescalina e do LSD na “libertação da vida das correntes da morte”.

A historiadora Erika Dyck estudou Osmond extensivamente durante o seu doutoramento e faz algumas revelações curiosas no seu livro recente sobre a correspondência entre o psiquiatra e o seu amigo Aldous Huxley (“Psychedelic Prophets: The Letters of Aldous Huxley and Humphry Osmond”). A historiadora escreve no seu livro que o médico foi atraído pelo sistema de saúde do Canadá porque este era mais inclusivo e conseguia chegar com mais sucesso à população. Nestas correspondências, Osmond revelou que, quando administrou mescalina a Aldous Huxley e supervisionou essa famosa viagem psicadélica, ele temeu que pudesse ficar lembrado na história como o responsável por arruinar a ilustre carreira literária do amigo. No entanto, em vez disso, este evento resultou na elaboração da importante obra “The Doors of Perception”, livro publicado em 1954, que marcou o início do fascínio científico e cultural pela experiência psicadélica. Aldous Huxley usou mescalina para ajudar a sua esposa Maria no momento da sua morte em 1958, e mais tarde, pediu a Laura, a sua esposa na altura, que lhe administrasse LSD para o ajudar na sua própria morte em novembro de 1963.

Humphrey Osmond introduziu o termo psicadélico na reunião de 1957 da Academia de Ciências de Nova York e descreveu como a experiência psicadélica era imprevisível, mas que poderia resultar numa experiência enriquecedora e transformadora que “limpava a pátina do pensamento conceptual” e possibilitava um vislumbre da transcendência. Em 1959, o termo psicadélico difundiu-se, embora alucinogénio seja o termo médico de uso comum. Nesta mesma década, a Fundação Josiah Macy foi patrocinadora de conferências em 1955 e 1959 onde se apresentavam os avanços das terapias com psicadélicos. Osmond apresentou os resultados da sua investigação nestas conferências, descrevendo que a terapia psicadélica permitia que os seus pacientes se vissem como parte integrante de uma realidade superior, que experimentassem uma sensação de libertação, alegria e regeneração, ganhando maior perspectiva sobre os seus problemas que passavam a ser percebidos como mais fáceis de resolver ou ultrapassar. O psiquiatra descobriu que cerca de cinquenta por cento dos sujeitos foram profundamente e positivamente transformados pelas suas experiências. Num artigo de fevereiro de 1958, propôs mesmo a administração de LSD a pacientes com cancro terminal no sentido de os ajudar a lidar com a ansiedade relacionada com a sua morte.

Osmond escreveu em 1957 que a experiências psicadélicas “têm um papel a desempenhar na sobrevivência da nossa espécie”. Na foto, Osmond e a sua esposa Jane.

Em 1966, Humphrey Osmond e outros investigadores compararam 28 pacientes de uma clínica de tratamento de alcoolismo que receberam duas doses elevadas de LSD, a um grupo controlo de 34 pacientes que participaram no mesmo programa de tratamento de seis semanas mas sem administração de LSD. Os resultados não foram esclarecedores, já que os pacientes ativos até melhoraram na sua auto-estima, mas não houve diferença significativa entre os grupos após seis meses. Estes resultados levaram os investigadores e os clínicos a considerar o uso de uma abordagem terapêutica mais cuidada, com especial atenção à preparação e à integração para se alcançarem benefícios mais sustentados no tempo. Os clínicos e investigadores de hoje baseiam as suas práticas precisamente no conhecimento adquirido por Humphrey Osmond, estabelecendo-se que a psicoterapia suporta o processo psicadélico e potencia os seus benefícios. Na sua investigação com pacientes com pertubação de uso do álcool, ele descobriu que o sucesso do tratamento estavam associados à experiência transcendente ou mística semelhante a uma experiência religiosa espontânea, uma visão transformadora de vida. Mais recentemente, Charles Grob escreveu que Osmond foi o primeiro psiquiatra a explorar o modelo terapêutico de administração de uma dose elevada, e que também numa abordagem de auto-experimentação, estas doses elevadas podem providenciar acesso a uma dimensão desconhecida da consciência que pode ser aterrorizante por um lado, mas também extática e restauradora.

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