Prática Profissional

A Importância do Diagnóstico Psicológico Antes do Uso de Psicadélicos

A Terapia Assistida por Psicadélicos tem revolucionado a área da saúde mental, trazendo uma nova esperança ao tratamento de condições resistentes a terapêuticas tradicionais (intervenções farmacológicas, psicoterapêuticas ou a combinação de ambas). Por todo o mundo decorrem ensaios clínicos que pretendem aferir o potencial terapêutico destas substâncias e os resultados que vão sendo partilhados são francamente animadores, associado ao seu baixo nível de toxicidade e de potencial aditivo, i.e. um bom perfil de segurança. 

Contudo, face ao impacto que a maioria destas substâncias têm no funcionamento do cérebro e na modificação do estado de consciência, estas comportam riscos, particularmente se o seu uso não tem em conta variáveis importantes como: o historial psiquiátrico do utilizador, o ambiente em que estas são consumidas, e o nível de apoio antes, durante e depois da experiência. Nos ensaios clínicos têm sido reportados poucos casos de resultados adversos com terapia psicadélica como o agravamento dos sintomas previamente existentes. Isto acontece, provavelmente, devido à seleção criteriosa dos participantes que tipicamente exclui condições psiquiátricas identificadas como contraindicações ao uso de psicadélicos (p.e. histórico de esquizofrenia, doença bipolar ou diagnóstico de perturbações da personalidade), ao cuidado com o setting criado e ao acompanhamento psicológico nas fases de preparação, toma e integração.

Neste estudo recentemente publicado no Journal of Psychopharmacology, os autores focaram-se nos resultados adversos reportados por 806 indivíduos que consumiram substâncias psicadélicas em condições naturalistas, isto é, contextos de vida real, (clínicos não clínicos ou controlados) como retiros, contextos recreativos ou privados, com um objetivo terapêutico ou não. A metodologia usada (“bottom margin”) tem a particularidade de se focar nos resultados extremos, neste caso os piores resultados, que podem noutro tipo de análises, passar despercebidos como estatisticamente não relevantes. O estudo teve como objetivo perceber se os resultados adversos sentidos (agravamento de sintomas prévios ou mau estar físico ou psicológico pós-experiência) estavam relacionados com a história psiquiátrica dos indivíduos, identificando assim populações particularmente vulneráveis ao uso destas substâncias e identificando fatores preditores de resultados adversos. 

Os resultados mostram que 132 indivíduos (16%) reportaram efeitos adversos 4 semanas após a experiência (identificados na tabela abaixo como negative responders), sendo que a percentagem mais elevada destas respostas foi encontrada nos participantes com um historial de diagnóstico de perturbações da personalidade (31%, 5 em 16 participantes com esta condição), seguida das perturbações psicóticas no espectro da esquizofrenia (25%, um participante em 4). 

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Nas condições para prevalentes, as percentagens foram: 15% para a depressão resistente, 12% para perturbação de ansiedade, e 17% para a perturbação de hiperatividade e défice de atenção. Para participantes sem história de doença psiquiátrica, 18% dos participantes reportam efeitos adversos.  

Estes resultados apontam para uma relação entre quadros psicopatológicos e efeitos subjetivos adversos após uma experiência psicadélica. Estas substâncias (Psilocibina, LSD, Ayahuasca, DMT/5-MeO-DMT, Mescalina, Ibogaína) são amplificadoras de estados emocionais significando que, apesar do seu potencial terapêutico (se devidamente enquadrado), podem ser desorganizadores em indivíduos com psicopatologia do espetro das perturbações da personalidade e da esquizofrenia ou história de trauma simples ou complexo, obrigando a um acompanhamento profissional nas várias fases da terapia assistida por psicadélicos. Entre estes indivíduos, particular atenção deve ser dedicada àqueles que têm um diagnóstico de Perturbação Estado-Limite da Personalidade, face ao padrão de desregulação emocional que caracteriza estes indivíduos. 

Algumas limitações deste estudo são apontadas pelos autores: toda a avaliação prévia e posterior à experiência foi subjetivamente avaliada pelos participantes no estudo através de instrumentos online de autoavaliação, o baixo controlo da veracidade e atualidade dos diagnósticos psiquiátricos reportados ou o foco nos resultados adversos (tendo havido entre metade dos participantes com um diagnóstico de perturbação da personalidade melhorias subjetivas no seu bem-estar). 

Em síntese, considerar esta informação é importante para profissionais de saúde mental que são abordados por clientes que planeiam ter uma experiência psicadélica, e para todos aqueles que proporcionam e facilitam estas experiências nos variados contextos não clínicos. Ou seja, é fundamental haver um diagnóstico psicológico prévio efetuado por profissionais de saúde mental para indivíduos com histórico de psicopatologia. Tratando-se de pessoas sem doença mental conhecida ou historial familiar, nomeadamente em contextos não clínicos, esta avaliação é menos crítica. Contudo, deve considerar-se que existem pessoas que desconhecem o seu historial familiar a este respeito e outras que podem não aceitar e / ou estar disponíveis para revelar um problema de saúde mental pré-existente.

Importa ainda referir que estes resultados não significam que não exista um potencial terapêutico destas substâncias nos quadros psicopatológicos descritos, nomeadamente se for garantido um acompanhamento terapêutico nas várias fases do processo por parte de profissionais devidamente treinados em intervenção psicoterapêutica e estados ampliados de consciência. Existem ainda poucos ensaios clínicos que incluem estas populações, mas há resultados que apontam para um potencial terapêutico em algumas perturbações da personalidade, sugeridos pelos resultados positivos em aspetos de comorbilidade com estas psicopatologias (ansiedade, adições, depressão, etc.).

O artigo completo está em acesso livre e pode ser consultado aqui.

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