Prática Profissional

A Psicoterapia Assistida por Psicadélicos é Sempre Uma Psicoterapia?

Alguns investigadores questionam a necessidade da componente psicoterapêutica em Psicoterapia Assistida por Psicadélicos (PAP), defendendo que os resultados terapêuticos estão relacionados maioritariamente com o componente farmacológico da substância. Nesta visão, a presença dos terapeutas cumpre uma função de mero apoio psicológico e de principalmente garantir a segurança dos participantes durante a administração da substância. Outros investigadores têm uma opinião contrária, considerando a componente psicoterapêutica indissociável da experiencia psicadélica com caráter e intenção terapêutica. Um dos clínicos e investigadores que defendem esta posição é Max Wolff, psicólogo e psicoterapeuta e o responsável pela formação e investigação em psicoterapia na MIND Foundation.

Em várias publicações como Psychedelic Therapy is Psychotherapy: Understanding Psychedelic-Occasioned Psychological Change through the Lens of Grawe’s General Change Mechanisms (a aguardar publicação), em Treatment with psychadelics is psychotherapy: beyond reductionism ou no artigo recentemente publicado Measuring psychotherapeutic processes in the context of psychedelic experiences: Validation of the General Change Mechanisms Questionnaire (GCMQ), Wolff defende que o progresso científico e o desenvolvimento de práticas informadas em terapia psicadélica são prejudicadas pela falta de intercâmbio transdisciplinar entre a investigação em PAP e a psicoterapia convencional,  ainda informados pelo reducionismo biológico e pelos modelos dualistas mente/corpo que informaram a psiquiatria durante muitas décadas. O seu argumento de que PAP é Psicoterapia, baseia-se em dois aspetos que têm sido amplamente suportados pela investigação: a identificação de fatores comuns que contribuem para a eficácia de um processo psicoterapêutico e a importância do contexto e das variáveis psicossociais em saúde mental. Em linha com outros autores, defende que a terapia psicadélica partilha “factores comuns” com as psicoterapias convencionais.

A investigação em psicoterapia convencial tem mostrado que a eficácia da intervenção se deve a “fatores comuns” ou “mecanismos gerais de mudança” (General change Mechanisms – GCM) presentes nos vários modelos de psicoterapia, independentemente da abordagem terapêutica específica. Vários modelos têm identificado e sistematizado estes fatores comuns, sendo um modelo de referência os cinco GCM de Klaus Grawe, baseado em dados empíricos de ensaios terapêuticos controlados e de estudos naturalistas: (1) ativação de recursos no cliente, explorando os seus pontos fortes e experiências positivas aumentando a sensação de capacidade e resiliência; (2) relação terapêutica, o quanto a relação terapêutica é positiva e motiva um esforço conjunto de desenvolver e implementar soluções práticas para os problemas do cliente e a relação terapêutica é motivadora de mudança (3) ativação do problema: a ativação deliberada e exploração dos problemas, conflitos e dificuldades do cliente permitindo uma compreensão mais profunda dos seus desafios e trabalhá-los no processo terapêutico (4) clarificação, ajudando os clientes a identificar o que impulsiona os seus comportamento e emoções, permitindo escolhas mais informadas e intencionais que estejam alinhadas com os seus valores e aspirações e (5) mestria enfatizando a importância dos clientes experimentarem competência e sucesso na gestão e resolução dos seus problemas.

Segundo a investigacao de Wolff, estes fatores estão presentes nas experiências psicadélicas terapeuticamente eficazes, numa interação sinérgica destes GCM com outras variáveis contextuais. 

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Desde o início da terapia psicadélica em meados do século XX, tem sido dada uma particular importância ao set e setting, sublinhando a importância do contexto (setting) em que as experiências acontecem. As experiências psicadélicas com um caráter terapêutico ou com um impacto positivo no bem-estar ou mudança de estilo de vida, têm maior probabilidade de ocorrer em contextos (sejam ensaios clínicos ou contextos naturalistas como festivais ou cerimónias) que geram confiança interpessoal, possibilitando assim a abertura emocional e capacidade de introspecção. Nos ensaios clínicos os modelos de PAP contam com três fases (preparação, sessões de toma e integração), nas quais a relação entre o paciente e os profissionais é de central importância.

Segundo Wolff, ignorar a importância do contexto e da relação interpessoal entre terapeuta(s) ou facilitador(es) da experiência com o cliente não só compromete a segurança dos pacientes (aumentando a probabilidade de experiências difíceis e potencialmente traumatizantes), como também ignora os dados empíricos sobre os mecanismos de mudança nas terapias psicadélicas e a importância do contexto e variáveis psicossociais positivamente correlacionadas com resultados terapêuticos positivos. A investigação em terapia psicadélica deve ultrapassar o reducionismo biológico que tem dominado o campo durante décadas, incluindo os resultados da investigação em psicoterapia convencional. Esta opinião é defendida por outros autores no artigo Psychedelic-assisted psychotherapy: Where is the psychotherapy research?,afirmando que no desenho dos ensaios clínicos e produção de resultados, dados empíricos relativos à componente psicoterapêutica são tipicamente negligenciados, condicionando assim a possibilidade de melhorar os atuais modelos de investigação e intervenção em PAP, reduzindo o risco de efeitos adversos, de otimizar os resultados clínicos e melhorar a generalização e a comparabilidade dos resultados dos estudos. 

Max Wolff foi o convidado da Living Room Session do SafeJourney em Janeiro de 2024 e o vídeo pode ser assistido no nosso website

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