Ciência

As Experiências Psicadélicas Mudam a Nossa Mundivisão e Crenças Metafísicas?

Mesmo parecendo, à primeira vista, um tema abstrato e apenas da esfera intelectual, as crenças metafísicas que detemos são, muitas vezes, as fundações da forma como compreendemos e interagimos com o mundo. Qual é a natureza da realidade e da consciência? Existe livre-arbítrio?

Num extremo, existe a crença de que o universo e a realidade são essencialmente físicos, sendo a matéria a única coisa que se pode afirmar existir (Materialismo). Em oposição, há a crença de que a essência do universo e da realidade é mentalmente construída e imaterial (Idealismo). A integração destas duas visões sobre o mundo, afirma que mente e matéria são separados, abrangendo um conjunto de perspetivas sobre a relação mente-corpo (Dualismo). Apesar de muitas vezes estas crenças serem inconscientes ou estarem implícitas, experiências de vida intensas podem trazer as mesmas à consciência, como é o caso da meditação ou experiências traumáticas. 

Crenças metafísicas consideradas no estudo

Experiências místicas, por exemplo as vividas no contexto do uso de substâncias psicadélicas, têm sido descritas como intensas, profundas e com forte significado pessoal, e também como potenciadoras de mudança de perspetiva sobre nós e o mundo. Mas poderão as experiências psicadélicas ir ainda mais longe e desencadear transformações duradouras nas nossas crenças metafísicas? Crenças, por exemplo, sobre a existência de Deus, sobre a possibilidade de uma consciência cósmica, ou sobre a vida para além da morte física? 

Uma equipa de investigadores, liderada pelo neurocientista e psicólogo Christopher Timmermann (aqui entrevistado pelo SafeJourney), mergulhou nestas questões no seu último artigo. Para além de eventuais alterações nas crenças metafísicas dos participantes, o artigo explorou ainda a relação das mesmas com a saúde mental, e alguns mecanismos psicológicos envolvidos. Para tal foi criado um questionário online onde participantes de retiros responderam a questões relacionadas com um conjunto de crenças metafísicas (ver tabela), antes e depois (4 semanas e 6 meses) da cerimónia com uma substância psicadélica. Esta informação foi complementada por dados recolhidos num ensaio clínico para a depressão, onde foi comparado um grupo que recebeu terapia assistida por psilocibina e outro que recebeu terapia com um antidepressivo. 

O que os investigadores verificaram foi uma alteração generalizada de afastamento face a crenças materialistas e de aproximação para crenças tais como o transcendentalismo, dualismo mente-corpo e pampsiquismo, verificadas após 4 semanas da experiência e que se mantiveram passados 6 meses. A mudança de crenças extremas (e.g., convictos materialistas ou dualistas) para posições mais moderadas ou mistas foi também verificada. Por outro lado, os participantes que antes da experiência afirmaram que a mente, a consciência ou a alma são a qualidade fundamental de todas as coisas no universo (pampsiquismo, posição filosófica que atribui à matéria uma origem psíquica semelhante à do Homem) ficaram mais convictos da sua crença após a experiência psicadélica.

É ainda importante notar que se verificou uma relação positiva entre as alterações nas crenças metafísicas e a saúde mental – melhoria do bem-estar e diminuição dos níveis de depressão. 

Ao analisarem os possíveis mecanismos responsáveis por estas mudanças, os investigadores verificaram que quanto maior a sincronia emocional sentida durante a experiência psicadélica, maior a probabilidade de se verificar uma mudança nas crenças metafísicas, novamente na direção de crenças menos materialistas. Tendo em conta os fatores que influenciam a sincronia emocional, os investigadores concluíram que a interação entre o nível individual de suscetibilidade à influência social e o nível de alinhamento emocional do grupo durante a experiência psicadélica, são mecanismos plausíveis para explicar as mudanças ocorridas nas crenças metafísicas. 

Tal como evidenciado pelos investigadores, os resultados deste estudo não são necessariamente positivos. Se, por um lado, crenças não materialistas já foram associadas a estratégias de coping negativas para o indivíduo, como o evitamento e o escapismo, por outro lado, uma elevada suscetibilidade individual à influência social pode evocar noções perniciosas de controlo da mente ou de brainwashing

Tendo em conta as implicações sociais, científicas, políticas e filosóficas do potencial dos psicadélicos (ou de qualquer outra experiência) para alterar crenças humanas profundas e abrangentes, mais investigação é necessária neste tópico, nomeadamente para compreender qual é a função e importância do contexto (setting) nesta matéria, e qual é o sentido da relação entre o uso de psicadélicos e as crenças metafísicas dos indivíduos que os usam. 

Este artigo foi também descrito noutras publicações na web, como esta, e esta

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